quinta-feira, 27 de março de 2008

DIVINO DE VIRGINÓPOLIS






Bem no meio da Vila,
a praça e o jardim,
jardim que no inverno de 54 minha mãe
coloriu com
flores de papel crepom para receber
a Virgem de Fátima
vinda de Portugal.
Ali fica a casa de varanda onde
Saturnina Parteira
me trouxe à luz.
Do lado esquerdo,
o bar do Homero, irmão gêmeo do Omar.
À direita, no começo do beco
o chafariz jogando água e a casa do Chiquitin.
Na frente do Chafariz a loja do Gemiro.
Uma casa depois da loja, a farmácia
do Zé Perpétuo
e na porta, Siô Tricate puxando com
os dedões o suspensório
e me encantava com as suas
histórias de além-mar.
A casa grande do Gilonório
e Vovô Solina que me calava o pranto.
A casa de Sá Remundinha com bambuzinho na escada
pra enfeitar altar e não deixar que as moças se casassem.
Depois da casa marrom do Lotário,
um ribeirão de água muito limpa
onde aprendi com a Tatana o ofício de lavar.
Um pouco na frente ficava uma casa branca
onde eu me agarrava às pernas de meu pai
com medo do barulho amedrontador da máquina de limpar café.
Subindo pela esquerda, o largo onde ficava
o Circo de Tourada do palhaço Piriá.
Lembro a rua comprida cheia de lama e poeira
até a Pensão da Vó Duzinha onde parava a jardineira,
seus jardins sempre floridos e as cascas dos ovos nas piteiras.
A casa do Bastião Ferreira quase em frente a do João Sérgio,
a Rita Preta, sempre risonha, com tição de fogo na mão
pitando seu pito de páia e rolão.
A casa enfeitada de Dona Benígna em frente a do Siô Caetano,
a casa bonita da Landinha.
A mesma Landinha que me fez doce a meninice
e doces fez meus batizados de bonecas.
O café do Quim da Cunha,
com seus velhos discos de vinil
fazendo a decoração das paredes.
A Pensão da Vó Figena, o viveiro do Vovô Raimundo
e o Teco-teco de Ti Tino.
A casa da Vó Carmelita que me ensinou a Tantun-Ergo
e as ladainhas em latim e o Vovô Serafim
tocando bonito sua clarineta.
A barbearia do Antonio Salvina a alfaiataria do Luiz Pinto,
o Zé Davi Ferrador junto da venda do Vavá.
Sá China na porta do Djalma,
de saia longa, chitadinha, a tudo espiava.
A casa do João da Mata onde eu comprava bolachas.
A venda do Zé Pena ao lado da casa do Zequita.
Em frente, morava o João Barriguinha
com seu barrigão e seu baláio de pão.
E subindo e descendo... e subindo e descendo...
A casa do Dr. Pena em frente da Zandrade
que tinha no quarto, fincada no chão,
uma bacia alta de banhar pagão.
A casa da D. Geni e da Angelina
que faziam imensos presépios
e aprontaram minhas asas de anjo.
A casa do Titin Ribeiro, a filharada do Pinguta,
as pomposas festas do Divino.
A alegria barulhenta do Gustin Fugueteiro,
o Jurandir Praxedes, o Prego, o instrutor da auto-escola,
sanfoneiro de nascença que me ensinava a cantoria de procissão.
No alto do morro, a Igreja Velha e seus altares dourados de ouro
ao lado da sacristia, o velho jasmim-manga
que encheu de perfume minha emoção ingênua e inocente.
Descendo o morro, a casa da Dona Conceição,
mãe dos quatro padres e de D. Aparecida,
minha professora, o jabuti que morava no seu jardim
e me carregava nas suas costas remendadas.
No morro da frente, morava Siô Jonas
soldado reformado, muito bem casado
com Dona Solteirice.
E eu sempre quis saber quem engomava tão bem os seus ternos de linho.
À Direita, o meu Rui Barbosa, o Grupo Escolar
e Dona Zilda, diretora, e eu, menina, e eu, professora.
O sobrado bonito do Chico de Sá Rita
pertinho de D. Nhanhá.
D. Paula e Siô Cesário no velho camapé
esperavam a velhice chegar vagando por toda a vila
lembrando a suave demência da Balbina.
Maria de Deus e do Bastião Cabiludo.
Quieta e brava, na rua de cima.
Mariana Precata, comia gambá.
Na rua de baixo, a casa azul do Pe. Francisco
rezando as missas e os scaramentos.
O Geraldo dentista e o seu torturante motor de pedal.
A casa do Chiquin Bitencourt, D. Geralda, tão alegre e miudinha
e na sua sala as cadeiras de palhinha.
A loja do Siô Zeca e do Julito,
a casa do Siô Deodato, homeopata
que veio a ser do Bastião do Cesaro e que era também o Correio.
Na frente, o perfumado manacá e na esquina o Café da Zilda Padilha.
A casa do Dundum, a loja do Expedito.
A casa sempre serena da Lica
e os seus cisnes brancos de crochê
nadando na mesinha alta de centro.
A venda do Teté
entre a casa do Lidu e do Altivo,
depois o Sobê, o Sadussanto que viveu pintando seus 101 anos.
A casa da D. Júlia, suas filhas de porcelana e a D. Maria Bárbara.
O coreto onde a banda tocava e onde se arrematavam
as prendas dos leilões,
os pudins enfeitados com rosas que só D. Lica sabia fazer.
Os pés floridos de murta que perfumaram de branco a minha infância
e os imensos jardins circundavam da velha Matriz,
cópia da Catedral da Espanha,
onde na pia, molhando minha cabeça,
e me chamaram Terezinha.
Terezinha, do Menino Jesus.
__________

Terezinha do Menino Jesus Soalheiro
Professora, mineira, a pessoa mais doce
do mundo, minha grande
amiga de Divinolândia de Minas,
hoje residente em
Governador Valadares - MG
















quarta-feira, 26 de março de 2008

AINDA SOBRE SÍLVIA CALABRESI


Não só o Brasil, mas o mundo todo ficou estupefato e mudo frente à violência e às torturas de que fora acusada a empresária goiana Sílvia Calabresi Lima. Um singular horror, motivo de vergonha e de surpresa, por podermos constatar que um ser humano em tese bem sucedido, com conforto material e condições sólidas de vida seria capaz de fazer.

Amarrar e amordaçar uma criança indefesa e deixá-la presa em uma escada na área de serviços do apartamento de luxo situada em área nobre da capital. Quebrar seus dedos, arrancar unhas, dar socos, tapas, pontapés, mutilar sua língua e outras partes do seu corpo. Além, é claro de um conjunto de agressões verbais, psicológicas, morais, indução ao medo, ao terror e tudo que se pode imaginar neste pântano infernal e medonho. Certamente, o mais absoluto dos horrores.

Indagada se tinha consciência do que fazia, a empresária responde: - "Eu não sabia o que estava fazendo, na minha cabeça aquilo não era tortura, mas educação. Peço perdão. Me perdoem pelo que eu fiz."

Indignei-me com tudo isto. Perdi algumas horas de sono pensando em tudo isto. Fiz reflexões a respeito e procurei me informar sobre o caso. Foi quando soube que a D. Sílvia, a autora do crime, fora também adotada, que passou anos de sua infância em instituições de assistência a menores, que teria sido abandonada pelos pais biológicos, passara necessidade e, certamente, sofrera de violência, fome maus tratos e coisas mais.

Aí as coisas me pareceram um pouco mais claras. Sempre defendi a tese de que nada é gratuito ou tem geração espontânea dentro ou fora das pessoas, interferindo em suas relações e ações no mundo. Nesta ótica, quem violenta é porque foi violentado. Tortura, porque foi torturado, e, igualmente faz o bem quando o recebeu e foi afetivamente orientado para isto. É claro que isto não justifica e nem é base de perdão para o crime horrendo uma vez cometido, mas, ao meu ver, atenua a culpa, a dor, multiplicam-se as causas e ampliam-se os responsáveis.

Soube que a mãe adotiva da empresária também será processada e o deveria mesmo, não só pela omissão, mas por ser uma das possíveis causadoras do lamentável fato. Ninguém que tenha sido educado com amor, carinho, diálogo, afeto, espiritualidade e satisfação de suas necessidades materiais básicas jamais tomaria este tipo de atitude. Jamais. A não ser em caso de doentes mentais graves e que, igualmente, deveriam ser submetidos a tratamentos dignos, responsáveis e em tempo hábil. É o mínimo que se espera de que se propõe a criar, amar e educar uma criança.

A família, as relações, o meio onde a criança vive a sua primeira infância, ou seja, de 0 a 5 anos de idade são os grandes responsáveis pelo que a pessoa se torna, seus atos, omissões, personalidade, escolhas. Acredito mesmo que somos produtos do meio. E as energias densas e sutis que circulam nossas vidas, da concepção aos primeiros cinco anos definem tudo: caráter, posicionamento na vida, vocação, sexualidade, gostos, desejos, sonhos, tudo.

Pela minha ótica, Suzane von Richthofen, aquela menina de S. Paulo não é tão criminosa assim. Mas o monstro foi criado por quem foi por ele destruído, por exemplo. Boa parte da culpa é das próprias vitmas que providenciaram uma criação absolutamente doentia para quem tem a fria coragem de assassinar os próprios pais. Os garotos que incendiaram o Indio Pataxó em Brasília foram apenas os executores de um crime planejado pelas relações com seus pais, com a escola, com a sociedade competitiva, com os horrores do mundo contemporâneo. Assim como os que estão atrás das grades e que são os meros executivos das tragédias que se viram envolvidos. Temos muitos e mais culpados e para cada crime deveria ter um galpão de dimensões imensas nos presídios para abrigar a todos os responsáveis direta ou indiretamente por cada caso. Reduzindo assim drasticamente a culpa e a pena dos que são geralmente acusados, presos e condenados.

A dinâmica da vida é feita por uma concepção sistêmica e integrada e nela, nada é por acaso. Tudo é dual e tem as suas razões bem definidas no plano do universo maior. Cabe a nós relativisar as verdades dos fatos, aproveitando suas sabedorias, os conhecimentos, as experiências que agregam para que sirvam de alento para melhorarmos o mundo. Para reduzirmos a dor e o sofrimento. Em tudo há uma seiva de beleza, basta que saibamos encontrar. Há sempre uma luz que orienta para a paz, a harmonia, a serenidade. E já é mais que tempo de encontrarmos tudo isto, mesmo nas relações mais prosáicas e nos fatos mais asquerosos e horripilantes. Mesmo na monstruosidade que agora presenciamos.


Antonio da Costa Neto

terça-feira, 25 de março de 2008

VIOLÊNCIA SIMBÓLICA X VIOLÊNCIA CONCRETA


Infelizmente, parece que os céus passaram a conspirar contra Goiânia, transformando-a na capital da violência. De todas as espécies, formas, tamanhos e pesos. Mal nos refizemos do susto da escola que separa os bem sucedidos dos menos inteligentes, numa lição singular de preconceito e retaliação, agora acordamos assustados com as monstruosidades da empresária goiana Sílvia Calabrese de Lima e sua empregada, cometidas contra crianças humildes, puras e absolutamente indefesas.

Muito bem retratou a Delegada Adriana Acorse, responsável pelo caso, quando a identificou como parte da matéria com que são produzidos os monstros. Não há como discordar. Uma mulher fria, má, horripilante, criminosa, que merece e deve ser castigada. E muito. O que ela fez não tem nome, nem explicação. Um crime terrível, hediondo, sem precedentes na nossa história, um fato que envergonha ainda mais a humanidade. E tanto a empresária, quanto sua comparsa precisam não só de apodrecerem na cadeia, como também serem submetidas às agrugruras cabíveis para este tipo de crime, com o mais terrível agravamento de tê-lo cometido contra crianças.

Não temos como falar nisto sem nos emocionar. Sem amargar muita dor e o sentimento de justiça que, sob nenhuma circustância pode deixar de ser feita com a urgência possível. Trata-se de justiça para ontem. E a empresária ainda tem o displante de declarar: - "Na minha cabeça, eu não estava torturando, mas educando as meninas." Simplesmente digna do mais profundo dos ascos. Sem palavras. Sem explicação.

Mas seria só dela que devemos cobrar com tanta veemência? Recordo-me agora de uma entrevista dada pelo cantor e compositor Chico Buarque, por ocasião do assassinato dos meninos da Candelária, quando ele dizia: - "Realmente fico pasmo com o espanto do povo brasileiro quanto ao brutal assassinato dos meninos de rua do Rio de Janeiro. Não que não seja um crime bárbaro, mas porque esquecemos do outro lado; o do crime processual que cometemos todos os dias contra estes mesmos meninos, quando lhes negamos comida, um pouso, um pouco de afeição, um afago, um sorriso. Ou quando discretamente fechamos o vidro dos nossos carros quando eles se aproximam de nós aí pelos semáforos da vida. Eu mesmo faço isso. A única diferença do crime que praticamos com o dos policiais é que o nosso é processual, lento, ocorre dentro de uma gradualidade que o torna normal, morno, cotidiano. É mais covarde e sinistro, não causa impacto e não levanta culpas, punições, nada. Mas é um crime igual. Digno do mesmo horror."

É que somos ainda uma sociedade profundamente atrasada e que anda lenta e pesadamente arrastando suas correntes, amarras e algemas. Ainda não evoluímos ao ponto de poder enxergar e valorizar processos. Somos uns brutos em nossa linha de pensamento. Somos bobinhos, e, ao mesmo tempo, maldosos demais. O que conta são os resultados, as ações, o concreto. O crime contra o corpo é considerado e punido, mas o cometido contra a alma, o espírito; não. Se uma pessoa tem febre ou dor, provavelmente é considerada doente, mas se é triste, deprimida, insatisfeita é tida como manhosa, esperta e não precisa, nem tem tratamento; melhor seria se tomasse vergonha na cara.

Longe de mim aliviar o crime animalesco cometido pela empresária Sílvia Calabrese, muito pelo contrário. Mas que esta lição de dor por que passamos sirva para nos ajudar a enxergar os crimes igualmente não-menores que cometemos todos os dias, quando por exemplo, sugigamos uma criança bruscamente, para que ela acorde no meio da madrugada para ir para uma escola feia, assistir aulas péssimas que só ensinam os processos de exploração, de enriquecimento do capital e os horrores da guerra, do tédio, do sofrimento. Quando desrespeitamos ou abandonamos nossos velhos. Traímos nossos pares, obrigamos os trabalhadores a cumprir funções ridículas, quando os expomos ao assedio moral e a todos os outros. Elegemos ladrões e bandidos, nos omitimos perante o óbvio.

Quando suportamos cinicamente a fome, a miséria das crianças do outro lado do mundo. Calamos perante o desespero de mulheres indefesas, a violência cometida contra o ser humano, os animais, a natureza, a vida. A maldade, a degradação, o martírio concreto e real dói muito. Faz sofrer, derrama sangue, é crime, faz com que lágrimas desçam grossas e salgadas pelas faces solitárias. Mas a tortura simbólica e psicológica, também. Resultados fazem sofrer tanto quanto processos. E no fundo da questão, no meio da verdade, quem não é monstro? Quem não é perigoso? Quem nunca cometeu um pequeno ou grande crime causando dor e sofrimento? Temos todos nossa culpa para amargar.

Claro que Sílvia Calabrese e sua comparsa precisam e muito ser punidas. Mas elas aí estão como um espelho frio e inerte em nossa frente. E pelo que me parece, pelos horrores do mundo, o fracasso da educação, da família e a dureza da vida, etc. Por enquanto acho muito difícil encontrar alguém que, de fato, possa atirar a primeira pedra.

Pensemos nisso. Façamos uma pausa para refletir. E por fim, partamos para agir e fazer a tão sonhada e necessária diferença que vai muito além da mordaça. Muito além do julgamento mas começa com o senso de justiça em relação a cada um de nós que certamente, somos um pouco Sílvia Calabrese, enquanto não é demasiado tarde para não merecermos o mesmo fim.


Antonio da Costa Neto

segunda-feira, 24 de março de 2008

REVOLUCIONAR A EDUCAÇÃO








Eu, que do alto do meu mais de meio século de vida pensei que não mais passaria por surpresas tão negativas e acreditava ainda mais, que no campo da educação, já teria visto todos os atrasos e ações retrógradas possíveis, mas ainda coonsigo me surpreender. Eis que, de súbito ocorre na minha frente esta história de separar os alunos de algumas escolas de Goiânia em turmas dos bem-sucedidos, os exemplares convictos, os pontuais, assíduos; os que tiram as melhores notas. Segregando, de forma brutal os que não se encaixam em nenhum desses grupos. Como se as escolas fossem a melhor coisa do mundo e ensinassem o mais sublime dos conhecimentos. Conduzissem um saber inquestionável. Coitadas, como permanecem ingênuas e cegas.

Pior ainda, vi educadores que deveriam entender e ser sensíveis às questões humanas, perceber a dinâmica psicológica; defenderem a competição exacerbada entre alunos, uma vez que o mundo que aí está é igualmente competitivo e - segundo esta falácia mais que violenta - nenhum lugar deveria ser melhor do que a escola para ensinar o aluno a competir, para assim vencer na vida, ganhar dinheiro, ser um futuro empreendedor. Não estaria a verdadeira saída justamente em sentido contrário? Já não temos empreendedores competitivos demais e cidadãos éticos e felizes de menos? Mas os educadores, coitados não conseguem entender isso. Talvez até propositalmente...

E quem disse que o que a escola ensina é o conhecimento que de fato interessa para a realização plena das pessoas, a melhoria da sua qualidade de vida e a construção de um mundo melhor? Acho até que muito pelo contrário, os alunos que hoje, muito bem aprendem o que as escolas frias, desumanas e descontextualizadas ensinam, talvez sejam os mais fadados à infelicidade, à destruição do ecossistema, à perpetuação de todas as crises e da infelicidade que a cada dia se faz mais presente e mais próxima de todos nós e das formas mais distintas e prosaicas.




Isto me lembra um amigo meu que sempre presenteava com uma bela bicicleta, um vídeo game ou mesmo uma boa viagem de férias os seus filhos que eram reprovados. E dizia: - menino que é bom na escola não presta para a vida. E hoje, que são adultos, vivos e felizes, fica então, pela lógica de tais fatos, constatada a sua razão plena.

Como educador, acredito mesmo que já passou muito da hora da educação e da escola buscarem soluções para os problemas complexos que enfrentam, não mais de forma simplista, linear e isolada. Mas enfrentando as suas dificuldades com a visão complexa e multidimensional que elas requerem. Havemos de encarar com muito mais seriedade estas facetas e tendo a exata noção das nossas responsabilidades e suas duras conseqüências pela longa história da humanidade.

Separar os mais, do não-aptos para este aprendizado pequeno e medíocre, é, no mínimo, uma ação segregadora, violenta, discriminatória e que pode até dar bons resultados para alguns do ponto de vista da retenção, do domínio e, mais ainda, da reprodução de um conhecimento, restando saber para que e para quem ele serve, ele se presta. Quanto aos demais, que se sentirão humilhados, rejeitados e perdedores, certamente se arranjarão como puderem, surgindo no seu inconsciente formas de medo, sarcasmo, dor, sofrimento e mais um sem número de malefícios que se espalharão por todos os meios em que estas pessoas vierem a atuar tanto no presente como nos futuros próximos e longínquos de suas certamente pobres e infelizes vidas.

Assim, nossa educação estará sujeita a dois méritos que são só dela: primeiro o de ensinar bem a um grupo de "inteligentes privilegiados", saberes infertéis, sem nenhuma utilidade para a preservação da vida e a conquista de sua melhoria em sentido amplo - a desprezível cultura inútil. Enfim, ensinando bem para perpetuar o mal. E depois, segregando e humilhando os que certamente poderiam aprender um tanto melhor se ela se propusesse a ensinar o que de fato as pessoas precisam aprender para viver com, dignidade e perpetuar o bem no mundo.

Antes de segregar a escola tinha que repensar profundamente a filosofia que compõe seus métodos, suas formas de trabalho, sua ideologia e seus fins não-confessos de manter a exploração entre os humanos, garantindo assim a riqueza de poucos pela socialização da miséria eentre muitos, o que ela sabe fazer com a maior competência, inclusive, camuflando o seu cotidiano, dissimulando suas táticas e revestindo de cordeiro o lobo faminto e violento que nela atua pelos interesses da pequena burguesia, das grandes fortunas e de um capitalismo caduco, explorador, violento e desusado.

Ainda insistimos na subida íngrime do morro, quando a bem da verdade o que temos de percorrer é o caminho de volta. Ao invés de investir na competição, precisamos ensinar a cooperar, associar a competência à ação amorosa, a eficácia profissional ao respeito às diferenças, aos ritmos, aos estilos, às formas de aprender, fazer, sonhar, construir utopias e alcançar, quem sabe, ideais mais inteiros, mais plenos e mais lúcidos, construindo, por fim, uma sociedade melhor e mais justa.

E, de novo, nosso Goiás se presta ao escárneo, à humilhação, aos métodos draconianos na antiga grécia espartana do Séc. XVIII, à exposição ao ridículo num tempo em que a tecnologia já muito avançada e as descobertas da ciência e da psicologia modernas deixam sobrar espaços para o entendimento mais que profundo destas relações, seus processos e a sua interferência na mente das pessoas. É a prova mais que evidente da necessidade de se revolucionar a educação e a escola, de se educar pelo e para o amor. Mas ela infelizmente continuam sendo administradas pelos representantes autênticos da pequena burguesia. Por pedagogogos escolhidos a dedo, pois são capazes de manipular este espaço, e, cinicamente, nele tudo fazerem para perpetuarem seus privilégios sociais, sem refletir nos desgastes e nas misérias que perpetuam com seus atos e omissões.

Não deveríamos há muito, educar e instruir as criançãs, os jovens para o progresso material simplista, mecânico e destrutivo, mas para mais vida. E para que ela seja vivida com abundância de sonhos realizados.

Para todos, indistitamente, e não só para os que têm a reconhecida paciência para aprender e reproduzir aquele conhecimento grandioso que é como aqueles nabos gigantescos que os agricultores norte-americanos costumam cultivar para ganhar os prêmios nas exposições que lá realizam. São belos, robustos, coloridos e enchem os olhos. Mas são secos, duros, insípidos e mastigá-los é como comer isopor. Portanto, são completamente desnecessários. Não servem para coisa nenhuma.


Antonio da Costa Neto

terça-feira, 18 de março de 2008

MEU TIO DO MATÃO


Meu Tio Zé Magno morava no Matão com Tia Lica.
Matão que depois virou Ouro Verde, por causa do café.
Com suas ruas tortuosas, suas casas velhas
decoradas com pedras, imbés, árvores imensas.
Muitos coqueiros e pés de figo para os doces de Dona Deocleciana,
com aquele narigão e a cara vermelha,
debaixo da pituca grisalha, lisa e bem comportada.
Tio Zé Magno não montava, mas empurrava a bicicleta
do seu lado, como quem acompanha a namorada
e de vez enquando, fazia até um carinho no cangote dela.
A casa deles também era bonita e grande, com muitas janelas,
pés de hibiscos, bananeiras, abacateiros misturados com galinhas,
gansos, patos, marrecos, gatos e cachorros preguiços e dorminhocos.
Também, convivendo com Tia Lica, não podia ser diferente.
Ele era carpinteiro, como o santo.
Acho que foi por causa do nome.
Pena que Tia Lica não servia para ser Nossa Senhora,
era feia, velha, dizia-se cega e gostava de fazer umas ruindadezinhas.
Pequenas, mas ruindades.
Ela rangia os dentes e fechava a cara pra dizer as coisas
e aquilo me dava um medo danado.
Ela também não tinha filhos.
Contava que deu à luz as gêmeas: Cordai e Magali,
mas que as duas morreram ao nascer.
(Deus que me perdoe, mas ele sabe o que faz...)
Dizia que o parto foi feito às pressas, com garfo e faca de mesa.
E eu que não sabia o que era parto,
pensava que o médico queria comer as crianças
e ficava matutando nisso antes de dormir.
No quintal, a oficina cheia de serragem e pedaços de madeira.
Os pés de beladona muito carregados com aquela flor imensa
que parecia as mulheres que a gente vê nos livros de história
com as saias longas e cheias de babados coloridos.
Eu ficava olhando aquilo e inventando coisas.
De noite, com frio,
as mulheres colocavam seus xales e todos iam conversar na sala.
Minha vó falava das receitas e da doença de D. Rita, sua vizinha.
Meu Tio Zezinho – irmão caçula do meu pai mostrava
com orgulho os primeiros fios do bigode. Coitado...
Tia Lica aproveitava para exibir seu tesouro:
uma coleção com muitas toalhas de mesa de plástico, coloridas.
Tinha uma de crianças holandesas colhendo tulipas,
um verdadeiro espetáculo.
Uma de frutas, a coisa mais linda!
Outras de colunas gregas,
patos, peixes, flores, passarinhos...
Uma infinidade...
Depois ela dobrava uma a uma com todo cuidado, toda orgulhosa.
Minha tia Luiza se propunha a ajudar,
mas ela agradecia e afastava a sua mão para que ninguém as tocasse.
Tio Zé Magno raspava a garganta e ia para a cozinha,
passava um café daqueles torrados em casa
e o cheiro rescendia pela vizinhança.
Um cheiro bom de café de quem não tem pecado.
Tia Lica era meio manca e muito lenta.
Arrastava vagarosamente os pesados chinelos pelo quintal e pela casa,
passando as mãos no cabelo e reclamando das dificuldades da vida.
Mas para ela – que se fazia de cega para não fazer nada – era até muito fácil.
Tio Zé Magno cheio de paciência entregava nas suas mãos o pente,
as meias, o prato de comida que ele mesmo fazia
e a xícara grandona de café que ela sorvia gole a gole,
sentindo bem o gosto com os olhos fechados.
E, de vez em quando,
batia com força o fundo da xícara pesada na mesa,
como se fosse uma governadora.
Tio Zé do Matão cheirava rapé e dizia que era dos bons.
Fez-me um carrinho de madeira que era uma beleza,
com uns belesqüetes encima que
rodavam, rodavam, rodavam juntos e no mesmo ritmo.
E eu os pintei de várias cores com tinta de urucum,
de açafrão e corantes de papel de seda.
Ficou maravilhoso e eu brincava com aquilo o dia inteiro.
Era o que bastava para o meu coração ficar derramando de felicidade.
Tio Zé Magno deve ter virado Santo.
Pois além de agüentar as cavalices de Tia Lica
ele me deu de presente a maior alegria do mundo
e dar alegria pra criança é o princípio básico para a santificação...
...Eu gostei da toalha das crianças holandesas
e pedi à Tia Lica para deixá-la na mesa.
Ela titubeou, franziu a testa. rangiu os dentes,
mas me atendeu com um sorrisinho meio desconfiado.
Foi a única boa ação de Tia Lica que já se teve notícia.
E foi só por isso que ela ganhou o ceu...


(Antonio da Costa Neto)

segunda-feira, 17 de março de 2008

...MEU REINO






O quintal da casa
da minha vó era grande.
Quase uma fazenda.
Junto às cercas de arame farpado

o capim ficava grande
e emoldurava a paisagem lá fora: casinhas, morros, postes, serras...
O tanque rodeado de moças e conversas,
mãos espumadas, batedor surrado

e varal tão cheio quanto o cansaço dos corpos.
Minha tia reclamava: gente, estou mais morta do que viva
e ia se deitar mais cedo.
No outro dia acordava se espreguiçando e dizendo
que dormiu como uma pedra. Ai, que saudade...
Laranjeiras, cachos de banana, roseiras, margaridas, pés de pimenta.
Chuchu trepado no pé de manga, lá encima. Abacateiro, flor de manacá.
Galinhas, jabuticabas, moitas de bananeiras fresquinhas e úmidas.
Gato malhado e ninhos de passarinhos. E a gente contando os ovos,
vigiando os filhotes nascerem.
Era só alegria ajudar dona sabiá, deixando comidas
nos galhos das árvores e ficar espiando escondido.
Eu fazia isso e achava que já tinha ganhado o ceu.
Não precisava mais rezar. Tinha preguiça de ir à missa
e fugia para ir espiar o Rio Vermelho nas manhãs de domingo.
Minha mãe desconfiava da minha cor morena
porque dentro da igreja não tinha sol.
Eu me fazia de desentendido e ia levando.
Corria para a casa da minha vó e ganhava
a barraquinha de despejo lá no fundo doquintal.
Me deliciava com o cheiro da lenha guardada há anos e dos bichos,
dos sacos de arroz e feijão empilhados. Queijos, rapaduras, muita farinha...
Dos pés de milho e dos tempos das pamonhas: de doce, de sal, de canela,
de pimenta com linguiça, frita, assada, cozida.
Minha vó ria suave e enrolava o cabelo no alto da cabeça, prendendo uma pituca.
Ela escondia a chave da despensa na alça da combinação
pra gente não roubar seus doces, bolos e biscoitos.
E antes de dormir; segurava nas mãos de Nossa Senhora da Guia,
pedia bênçãos e fazia o sinal da cruz rezando em voz alta (Que era pra santa escutar).
Apagava a luz, deitava e ficava pensando: nos filhos, nas dívidas, nos problemas...
De vez enquando dava um suspiro tão fundo que doía na alma.
A gente ouvia passos na rua e ficava imaginando de quem poderia ser.
Às vezes ouvíamos vozes que davam para ser reconhecidas.
Eu era feliz porque tinha minha vó. Uma fortaleza a me proteger, me dar moedas
e contar estórias como as da moça que se encantou, do bezerrinho medroso e
do peixe que sabia falar.
Tinha silêncio pra dormir. E amanhã, certamente, aquele quintal inteiro seria o
meu Reino...
E eu, majestade, seria feliz entre cercas de arame, gatos,
passarinhos, flores de abóbora e roupas branquinhas, cheirosas, lavadas
por minhas tias bonitas e ancudas.
Minha vó trançando os cabelos, calada, com os grampos na boca
e rezando em silêncio. E eu achava que era para a gente ficar
rico e o meu pai poder ir pescar todos os dias, o dia todo.
E eu, menino, brincava no quintal e nem pensava em outra coisa na vida.
Eu era muito mais feliz do que o rei da Suécia, da Espanha, da Inglaterra...
Muito mais mesmo.
(Ainda mais agora que eu sei que ser rei de verdade não tem aquela graça toda).
Bom mesmo era reinar no quintal-fazenda de minha vó.

(Antonio da Costa Neto - do meu livro ainda
inédito: Poemas para os anjos da terra).

quarta-feira, 12 de março de 2008

BBB & GLOBO: PROCESSOS CONTÍNUOS DE MANIPULAÇÃO E DE PODER




Neste país a Rede Globo de Televisão é quem define tudo, desde concursos de miss, a ocupação dos grandes cargos, as taxas de juros, o valor dos salários (notadamente o mínimo), etc. etc. Lembro-me aqui da sensacional jogada de marketing para a eleição do Fernando Collor que foi a novela Que rei sou eu? Estrategicamente lançada pouco antes da campanha e que tinha como protagonista, Jean Pierre, belamente interpretado por Edson Celulari, que, reservava semelhanças físicas e morais com o então jovem e atlético candidato. O personagem também enfrentava lutas arraigadas pela justiça social, fazia jorrar sangue para defender aos mais pobres; condenava corruptos, enquanto o brasileiro expulsava marajás, fazia discursos eloqüentes, com gestos largos e fortes, conduzindo as massas ao riso ou ao pranto. Claro que tudo somou para a sua malfadada eleição e para a sua posterior retirada do poder - mais uma vez usando os cara-pintadas - depois de mergulhar a sociedade e a economia brasileiras em uma crise endêmica, mas tudo pareceu normal, regular e pronto. Aliás, como sempre.
Sabiamente a Rede Globo faz a sua manobra política, na medida em que se monta elencos e histórias de novelas, assassinam-se personagens, premia o bem e o mal, ao seu bel-prazer, o que podemos exemplificar com o assassinato do personagem de Antonio Fagundes, em Porto dos Milagres, quando na ficcção o mito baiano fazia ritimar a decantada e última crise política do Senador Antonio Carlos Magalhães e não seria bom colocar novamente no poder um homem com os pés na cova e já sem as condições profundamente maquiavélicas que garantiram seu poder por gerações inteiras.
No BBB acontece, é claro, exatamente a mesma coisa. Só vai para o paredão quem a emissora quer, e, apenas é excluído da casa como o mais votado, o participante que não mais interessa para o aumento dos pontos no Ibope, reduzindo assim as possiblidades dos ganhos imensos da TV Globo com o não menos famoso realitty show. É um processo meio mágico e aparentemente natural de usar as pessoas, de se fazer delas o que quer, numa ditadura horrenda, criminosa e desusada.
Depois que a emissora usou e se cansou das polêmicas criadas pelo futuro psiquiatra Marcelo, suas incoerências e conflitos, muitos deles gerados pela pressão psicológica do confinamento, uma experiência malígna para quem é vigiado e consumido diuturnamente por meses em seguida, num processo latente de tortura simbólica e fria; ela resolve, simplesmente, metralhar a sua imagem. Conclui então que já é hora de atirá-lo no lixo. Pouco se importando se com isso vai desmontar a sua carreira, causar depressão, sofrimentos futuros.
Assim as discussões, as arrogâncias - convenhamos - muitas delas inaceitáveis - em que o moço se envolveu foram repetidas várias vezes no dia da votação, inclusive com requintes de edição, cores, sons, closes cortes, etc. As charges e desenhos animados exibidos na ocasião não deixaram por menos e, ainda, a rotulação e o escárnio do apresentador do programa, Pedro Bial, que não poupava esforços para facilitar a aparência de normalidade para os interesses da Rede Globo. Fazendo a cabeça do público para deixar na casa o jovial Rafinha, tatuado, bonito, moderno, sensual e fazendo o papel do bom moço, o sorridente, o amigo, ganhador, bacana.
Mas o que me assusta não é a capacidade, o cinismo e a coragem da Globo de cometer estes crimes contra o ser humano, mas a passividade deles. A ignorância, a ingenuidade que ainda carregam em seus corpos e almas.
Nas ocasiões dos paredões do BBB são muitos milhões de votos, principalmente os oriundos das famílias mais pobres e desinformadas que preferem tirar o pão de seus filhos a deixarem de votar, para com isso enriquecerem com os acionistas da mais importante rede de TV particular do Brasil e uma das maiores do mundo. E as pessoas não conseguem acordar para isso. Não se convencem do mal que isto acarreta. Pois além de fazer com que gastem seu suado dinheirinho, ainda compra as suas consiciências, lava seus cérebros e retira, por meios psicológicos, sua autenticidade, sua autonomia, fazendo com que se tornem meras e utilizáveis peças do jogo. Em seres facilmente explorados pelo poder, pela arraigada dinâmica dos processos sociais iníquos, perturbadores e malétficos à vida.
Enquanto transcorre os dias, meses e anos do século XXI a população brasileira ainda continua com esta concepção utilitária, simplista, material, com que se aprazem os donos do poder, os senhores do povo que ainda governam com a chibata na mão e que a TV Globo, com o seu traço, suas cores e formas, suas caras bonitas, torsos e coxas sensuais, muito bem sabe impor, usando a sagrada arte para os fins absolutamente contrários àqueles ditados pela sua filosofia, sua história. E já passamos muito da hora de acordar; de ter uma educação que esclareça as pessoas, projetos culturais críticos e politicamente contextualizados às exigências do nosso tempo, possibilitando assim a construção de uma outra sociedade, de uma outra história.
Seria muito esperar que a Rede Globo parasse de exibir o BBB. Pois além de, com o prgrama, ganhar muito dinheiro ela repassa, cheia do lúdico e do onírico, seus valores, sua ideologia burguesa, materialista e doente, com a qual se nutre, vive e se engrandece enormemente, chegando a ser a potência - e o monstro - que é, num país de famintos, perdidos e desdentados. Mas que pelo menos que nas próximas edições não tenham votos. Mas um público consciente que possa rir de sua tendência exploradora e profundamente maldosa. Estou sonhando. Talvez daqui há mais dois mil e quatrocentos anos. Ou mais? Ou nunca? Quem sabe?

Antonio da Costa Neto

TERCEIRAVESSO - A NOVA GALERIA DAS MINHAS PINTURAS






















































segunda-feira, 10 de março de 2008

A MENINA DE LÁ: ELABORAÇÕES SOBRE O FANTASIAR FREUDIANO


A arte, o brincar, o delírio, o sonho, a fantasia. Esta, tem origem em uma experiência passada do sujeito. A criação da fantasia, no tempo presente, se dá a partir de uma impressão motivadora que tem a possibilidade de despertar um desejo no sujeito. Após esses dois tempos, a fantasia buscará criar, finalmente, uma situação para representar a realização desse desejo. Desta forma “o desejo utiliza uma ocasião do presente para construir, segundo moldes do passado, um quadro do futuro” (Freud, 1908, p. 139).
Lacan, quando retoma o conceito freudiano de fantasia, destaca sua importante função como mecanismo de defesa, sendo que a maior motivação para o surgimento da fantasia são os desejos insatisfeitos. Desse modo Freud afirma que os sintomas “são a realização de uma fantasia inconsciente que serve à realização de um desejo”. Para Freud, a fantasia recalcada está na origem do sintoma e a condição para que uma fantasia reviva e se desenvolva sob a forma de sintoma é que ela passe de consciente para inconsciente, sem a obtenção de qualquer tipo de satisfação sexual ou sublimação.
Na análise, a fantasia possui um papel fundamental e serve “de axioma para interpretar o sintoma” (Ribettes). Ao interpretar o sintoma, o que se busca é uma reconstrução da fantasia, e para tanto “a fantasia é para ser tomada tão literalmente quanto possível” (Lacan, 1967), pois é na fantasia que o sintoma encontra seu material simbólico.
Ao falarmos de fantasia temos, com freqüência, um remetimento a algo que parece ser seu oposto: a realidade. Contudo Lacan diz que “o princípio de realidade é simplesmente um princípio de fantasia coletiva” e coloca, ainda, que “a fantasia é a ‘máscara da realidade’, a realidade é a ‘careta da fantasia’: ela é exatamente ‘comandada pela fantasia enquanto o sujeito só se realiza na sua própria divisão’” (Lacan, 1968).
A fantasia está presente em todas as estruturas psíquicas, sua apresentação e a possibilidade de realização desta é o ponto que marca sua distinção dentro de cada estrutura. No artigo intitulado “Escritores criativos e devaneios”, Freud compara a fantasia ao brincar dizendo que “ali onde a criança joga, o adulto fantasia”.
Guimarães Rosa escreve um conto cuja personagem Nhinhinha é “
a menina de lá”, “com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios” (Rosa, 1988, p.22). A característica mais marcante de Nhinhinha era que “o que ela queria, que ela falava, súbito acontecia”. (Rosa, 1988, p. 25). Nhinhinha era a menina de lá, e lá era o lugar de seu desejo. Ela não fazia, dos desejos ou necessidades dos outros, realidade; só de seus próprios desejos. E Nhinhinha desejava pamonhinha de goiaba, o arco-íris e até seu próprio caixãozinho cor-de-rosa com enfeites verdes brilhantes. Tudo se tornava realidade, assim como numa fantasia ou num sonho.
Nhinhinha parecia desejar somente seus próprios desejos, mas se via rodeada dos desejos dos outros, aos quais ela respondia: “Deixa… Deixa…”. Certa vez lhe pediram a cura de sua mãe que estava doente e, noutra, chuva quando da seca maior, e para ambos os desejos ela dizia: “Deixa… Deixa…”, e a coisa acontecia transpassada pelo desejo de Nhinhinha: abraçou e beijou sua mãe que sarou num minuto; quis o arco-íris e choveu.
O fantasiar de Nhinhinha e o fantasiar de um artista se encontram no ponto em que ambos só são valorizados quando se aproximam, mesmo que de lado, de um ‘fantasiar coletivo’, desejado e reconhecido pela civilização, pelo Outro. Ou seja, quando “transformam suas fantasias em verdades de um novo tipo, que são valorizadas pelos homens como reflexos preciosos da realidade” (Freud, 1911, p.242).
Quando Nhinhinha dizia “Deixa… Deixa…” ela agia como o artista que sabe “como dar forma a seus devaneios de modo tal que estes perdem aquilo que neles é excessivamente pessoal e que afasta as demais pessoas, possibilitando que os outros compartilhem do prazer obtido nesses devaneios” (Freud, 1917, p. 378). Ao fazer chover não era a chuva que Nhinhinha queria, era o arco-íris, mas para que ela pudesse ter o seu arco-íris, os demais compartilharam a chuva.
A fantasia como axioma possibilita que um sintoma seja interpretado, possibilita a existência da clínica. A forma de lidar com essas fantasias em análise vai depender da relação do sujeito com sua fantasia dentro de cada estrutura. Entretanto é necessário que o analista não coloque a teste de realidade tudo o que o paciente fala, pois, essas elaborações construídas ou recordadas em análise são “às vezes, indiscutivelmente falsas e, às vezes, por igual, certamente corretas, e na maior parte dos casos são situações compostas de verdades e de falsificação” (Freud, 1917, p. 369).
Nesse sentido, segundo Freud, a clínica tem o desafio de “igualar a realidade com a fantasia”, pois “as fantasias possuem realidade psíquica, em contraste com a realidade material, e gradualmente aprendemos a entender que, no mundo das neuroses, a realidade psíquica é a realidade decisiva” (Freud, 1917, p. 370).


Wesley Pires

domingo, 2 de março de 2008

MACHISTA SIM, MAS VÁ LÁ...





Nenhum homem é fiel, mas pode estar fiel (ou porque está apaixonado, algo que não dura muito tempo - no máximo alguns meses - nem se iluda) ou porque está cercado por todos os lados (veremos adiante que não adianta cercá-lo. Isso vai se voltar contra vc). A única exceção é o crente extremamente convicto. Se vc quer um homem que seja fiel, procure um crente daqueles bitolados, mas agüente as outras conseqüências.
2º) Não desanime. O homem é capaz de te trair e de te amar ao mesmo tempo. A traição do homem é hormonal, efêmera, para satisfazer a lascívia. Não é como a da mulher. Mulher tem que admirar para trair; ter algum envolvimento. O homem só precisa de uma bunda. A mulher precisa de um motivo para trair, o homem precisa de uma mulher.
3º) Não fique desencantada com a vida por isso. A traição tem seu lado positivo. Até digo, é um mal necessário. O cara que fica cercado, sem trair, é infeliz no casamento, seu desempenho sexual diminui (isso mesmo, o desempenho com a esposa diminui), ele fica mal da cabeça.
Entenda de uma vez por todas: homens e mulheres são diferentes. Se quiser alguém que pense como vc, vire lésbica (várias já fizeram isso e deu certo), ou case com um viado enrustido que precisa de uma mulher para se enquadrar no modelo social. Todo ser humano busca e felicidade, a realização. E a realização nada mais é do que a sensação de prazer (isso é química, tá tudo no cérebro). A mulher se realiza satisfazendo o desejo maternal, com a segurança de ter uma família estruturada e saudável, com um bom homem ao lado que a proteja e lhe dê carinho. O homem é mais voltado para a profissão e para a realização pessoal e a realização pessoal dele vem de diversas formas: pode vir com o sentimento de paternidade, com uma família estruturada, etc., mas nunca vai vir se não puder ter acesso a outras fêmeas e se não puder ter relativo sucesso na profissão. Se vc cercar seu homem ( tipo, mulher que é sócia do marido na empresa. O cara não dá um passo no dia-a-dia sem ela) vc vai sufocá-lo de tal forma que ele pode até não ter espaço para lhe trair, mas ou seu casamento vai durar pouco, ele vai ser gordo (vai buscar a fuga na comida) e vai ser pobre (porque não vai ter a cabeça tranqüila para se desenvolver profissionalmente. Vai ser um cara sem ambição e sem futuro).
4º) Não tente mudar para seu homem ser fiel. Não adianta. Silicone, curso de dança sensual, se vestir de enfermeira, etc... nada disso vai adiantar. É lógico que quanto mais largada vc for, menor a vontade do homem de ficar com vc e maior as chances do divórcio. Se ser perfeita adiantasse, Julia Roberts não tinha casado 3 vezes. Até Gisele Bunchen foi largada por Di Caprio, não é vc que vai ser diferente (mas é bom não desanimar e sempre dar aquela malhadinha). O segredo é dar espaço para o homem viajar nos seus desejos (na maioria das vezes, quando ele não está sufocado pela mulher ele nem chega a trair, fica só nas paqueras, troca de olhares). Finja que não sabe que ele dá umas pegadas por fora. Isso é o segredo para um bom casamento. Deixe ele se distrair, todos precisam de lazer.
5º) Se vc busca o homem perfeito, pode continuar vendo novela das 6 . Eles não existem nesse conceito que vc imagina. Os homens perfeitos de hoje são aqueles bem desenvolvidos profissionalmente, que traem esporadicamente (uma vez a cada dois meses, por exemplo), mas que respeitam a mulher, ou seja, não gastam o dinheiro da família com amantes, não constituem outra família, não traem muitas vezes, não mantêm relações várias vezes com a mesma mulher (para não criar vínculos) e, sobretudo, são muuuuuito discretos: não deixam a esposa (e nem ninguém da sua relação, como amigas, familiares, etc saberem).
Só, e somente só, um amigo ou outro DELE deve saber (faz parte do prazer do homem contar vantagem sexual. Pegar e não falar para os amigos é pior do que não pegar). As traições do homem perfeito geralmente são numa escapolida numa boite, ou com uma garota de programa (usando camisinha e sem fazer sexo oral nela), ou mesmo com uma mulher casada de passagem por sua cidade. O homem perfeito nunca trai com mulheres solteiras. Elas são causadoras de problemas. Isso remete ao próximo tópico.
6º) ESSE TÓPICO NÃO É PARA AS ESPOSAS - É PARA AS SOLTEIRAS OU AMANTES: esqueçam de uma vez por todas esse negócio de homem não gosta de mulher fácil. Homem adora mulher fácil. Se "der" de prima então, é o máximo. Todo homem sabe que não existe mulher santa. Se ela está se fazendo de difícil ele parte para outra. A demanda é muito maior do que a procura. O mercado ta cheio de mulher gostosa. O que homem não gosta é de mulher que liga no dia seguinte. Isso não é ser fácil, é ser problemática (mulher problema). Ou, como se diz na gíria, é pepino puro. O fato de vc não ligar para o homem e ele gostar de vc não quer dizer que foi por vc se fazer de difícil, mas sim por vc não representar ameaça para ele. Ele vai ficar com tanta simpatia por vc que vc pode até conseguir fisgá-lo e roubá-lo da mulher. Ele vai começar a se envolver sem perceber. Vai começar ELE a te procurar. Se ele não te procurar era porque ele só queria aquilo mesmo. Parta para outro e deixe esse de stand by. Não vá se vingar, vc só piora a situação e não lucra nada com isso. Não se sinta usada, vc também fez uso do corpo dele - faz parte do jogo; guarde como um momento bom de sua vida.
7º) 90% dos homens não querem nada sério. Os 10% restantes estão momentaneamente cansados da vida de balada ou estão ficando com má fama por não estarem casados ou enamorados; por isso procuram casamento. Portanto, são máximas as chances do homem mentir em quase tudo que te fala no primeiro encontro (ele só quer te comer, sempre).
Não seja idiota, aproveite o momento, finja que acredita que ele está apaixonado e dê logo para ele (e corra o risco de fisgá-lo) ou então nem saia com ele. Fazer doce só agrava a situação, estamos em 2008 e não em 1958. Esqueça os conselhos da sua avó, os tempos são outros.
8º) Para ser uma boa esposa e para ter um casamento pelo resto da vida faça o seguinte: tente achar o homem perfeito do 5º item, dê espaço para ele. Não o sufoque. Ele precisa de um tempo para sua satisfação.
Seja uma boa esposa, mantenha-se bonita, malhe, tenha uma profissão (não seja dona de casa), seja independente e mantenha o clima legal em casa. Nada de sufocos, de "conversar sobre a relação", de ficar mexendo no celular dele, de ficar apertando o cerco, etc. Vc pode até criar "muros" para ele, mas crie muros invisíveis e não muito altos. Se ele perceber ou ficar sem saída, vai se sentir ameaçado e o casamento vai começar a ruir. A última dica:
9º) Se vc está revoltada por este e-mail, aqui vai um conselho: vá tomar uma água e volte para ler com o espírito desarmado. Se revoltar quanto ao que está escrito não vai resolver nada em sua vida.
Acreditar que o que está aqui é mentira ou exagero pode ser uma boa técnica (iludir-se faz parte da vida, se vc é dessas, boa sorte!). Mas tudo é a pura verdade. Seu marido/noivo/namorado te ama, tenha certeza, senão não estaria com vc, mas trair é como um remédio; um lubrificante para o motor do carro. Isso é científico. O homem que vc deve buscar para ser feliz é o homem perfeito do item 5º. Diferente disso ou é crente, ou viado ou tem algum trauma (e na maioria dos casos, vai ser pobre). O que vc procura pode ser impossível de achar, então, procure algo que vc pode achar e seja feliz ao invés de passar a vida inteira procurando algo indefectível que vc nunca vai encontrar.



Tania Vieira