quarta-feira, 28 de maio de 2014

PICASSO TAMBÉM DESENHAVA SOBRE PAPEL - COMO CRIANÇA...

De quem é este desenho?
Pablo Picasso. Matador Luis Miguel Dominguin. 1897. Lápis sobre   papel.
Pablo Picasso. Matador Luis Miguel Dominguin (1897). Lápis sobre papel.
Dez anos antes de "Les Demoiselles d'Avignon" (1907), Picasso já se destacava com um trabalho realista e acadêmico de alta qualidade, que em nada se parecia, porém, com o que veio a desenvolver posteriormente, o estilo que o consagrou. Sendo um dos artistas mais versáteis da História, traduzia em suas obras o seu espírito inquieto, sem jamais - mesmo no fim da vida - acomodar-se e ceder à tentação de repetir as fórmulas que já dominava. Por isso, não é de imediato que se reconhece esta e outras tantas obras do gênio.
Sim, é atraente para designers, artistas e afins, terem seus trabalhos identificados facilmente por um estilo bem marcado. É tentador fazer algo que seus colegas e clientes percebam como obra sua sem necessidade de conferir a assinatura. Destacar-se em meio à multidão é um alento para os inseguros egos dos criadores. Talvez também comercialmente, esta seja uma característica desejável, já que o cliente sabe exatamente o que esperar e, por isso, também se sinta mais seguro e confiante em contratar o trabalho.
Por esses e outros motivos, muitos de nós buscamos encontrar o tal "estilo" como quem busca a fonte da juventude. Esperamos ansiosos para um dia fazer algo único e diferente, que desperte um grande e sonoro "oh" da platéia e que nos eleve ao Olimpo dos profissionais reconhecidos.
E eis que, quando chega este momento, sentimos o alívio merecido após tanto sofrimento, e recostamos nossas cabeças cansadas na zona de conforto, sabendo que todos os trabalhos que virão já têm estilo definido e não precisamos nos preocupar mais.
O perigo mora tanto na busca do "estilo próprio" como na sua conquista. Buscando encontrar uma marca, corremos o risco de perder o foco do trabalho, muitas vezes deixando de lado a adequação da proposta e o briefing. Em sua ânsia por definir seu trabalho, o artista pode abrir mão de soluções diferentes e por vezes mais adequadas. Pode também parar de evoluir e estacionar, abafando seu impulso criativo e tornando-se um executor apenas. Isso não é bom nem para o artista, nem para o mercado, nem para a Arte, como representação de um período, cultura e local. A evolução depende da experiência.
Admiro artistas que experimentam e que nos surpreendem com trabalhos que não parecem ser seus. Artistas que arriscam estilos que não dominam tanto e soluções estéticas diferentes do que estão acostumados a aplicar, mesmo que o resultado não receba tantas críticas positivas de seu séquito de admiradores.
Acho que os artistas do nosso tempo, que têm acesso a um volume tão grande de informações, referências e estímulos, devem ser flexíveis e deixar seus trabalhos fluírem com liberdade.
Ficar preso um estilo ou mesmo à sua busca é tentador, mas escraviza e torna o trabalho estagnado. Como exemplo, cito o popular Romero Britto, que encontrou um estilo bem marcado e faz tudo com sua inconfundível assinatura. É comercialmente interessante, pois ele criou um "produto" confiável e certeiro. Se eu encomendar a ele um quadro de um sofá, sei que este sofá será feito por áreas contornadas de preto e preenchidas por padrões coloridos. É vibrante, atraente e fácil de digerir. Mas, artisticamente, não contribui em nada. Será que o artista mudou algo, ou a si mesmo, depois desse trabalho? Ou simplesmente executou aquilo que já sabe fazer até dormindo?
Experimentar é, sobretudo, divertido. Se você está acostumado a fazer ilustrações realistas, repletas de detalhes, faça experiências com um pincel e nankin. Se só faz traços minimalistas a lápis, pinte uma natureza morta com tinta a óleo cheia de detalhes. Se costuma fazer grafismos geométricos, arrisque traços orgânicos na aquarela. O resultado pode ser ruim, mas certamente já o fez evoluir como artista, e mesmo que você volte a produzir dentro do estilo ao qual está habituado, seus trabalhos certamente traduzirão uma maior maturidade.
Além de aprisionar, a busca por um estilo é também muito frustrante, pois hoje é praticamente impossível ser o único a fazer um trabalho de uma determinada forma.
Ter um estilo não significa, necessariamente, usar a mesma solução estética para tudo o que se faz. O estilo de um profissional se traduz também no capricho com que realiza seus trabalhos, na adequação às propostas, na ousadia e na flexibilidade.
Com empenho, sem descansar nunca e sem levar os elogios tão a sério, O estilo estético virá, aos poucos, permeando sorrateiro cada trabalho, amadurecendo e deixando sua marca.
Veja o que o mundo perderia se Pablo Picasso tivesse se conformado em repetir um estilo que já havia dominado.

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