As mãos servem para pedir, prometer, chamar,
conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar,
interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar,
injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar,
absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir,
reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar,
construir, escrever e trabalhar...
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau,
salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário;
Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena;
E foi com as mãos que Jesus amparou Madalena.
Com as mãos David agitou a funda que matou Golias;
as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena;
Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência;
os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço à corda que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a guilhotina;
o operário construir e o burguês destruir;
o bom amparar e o justo punir;
o amante acariciar e o ladrão roubar;
o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada,
uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos;
os bálsamos e os instrumentos de tortura,
a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver,
e com elas protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos.
Os mudos falam com as mãos.
As mãos colocadas na direção do submarino levam o homem para o fundo como os peixes.
E no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do "Homo Rebus" lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento
e o primeiro copo para a bebida;
a primeira almofada para repousar a cabeça,
a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta, acariciando, mostra a bondade.
Masfechada e levantada mostra a força e o poder;
empunha a espada a pena e a cruz!
Modela os mármores e os bronzes;
da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento
e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza;
doce e piedosa nos afetos medica as chagas,
conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor,
o melhor pacto de amizade ou um juramento de fidelidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada;
Jesus abençoava com as mãos;
as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte,
mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo
e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo,
são as mãos maternas que nos agasalhamo corpo tão pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos já não brilham
e os sentidos desaparecem.
Ainda são as mãos de cera que continuam na morte as funções da vida.
E a imagem do Nazareno pregado na cruz
vai conosco para debaixo da terra com as nossas mãos cruzadas sobre o peito.
E as mãos dos amigos nos carregam...
E as mãos dos coveiros nos enterram!
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O poema “Monólogo das Mãos” foi escrito a partir de um trabalho de Montaigne, recebendo tradução do dramaturgo brasileiro Oduvaldo Viana, que o inseriu em sua peça “O Vendedor de Ilusões”, escrita para Procópio Ferreira em 1931.
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