sexta-feira, 14 de maio de 2021

O LADRÃO DE BISCOITOS - Original de Valerie Cox - Tradução livre de Antonio da Costa Neto

 




O LADRÃO DE BISCOITOS

Original de Valerie Cox

Tradução livre e adaptação:  Antonio da Costa Neto

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Ela havia chegado, pelo seu tempo, já meio atrasada naquele aeroporto imenso, movimentado cheio das pessoas mais diferentes. Eram barulhos estranhos, música alta e o cheiro misturado das comidas que eram servidas nos bares, lanchonetes e restaurantes que rodeavam aquele ambiente em que estava naquele momento. Corria louca para o angar, procurando o portão do seu vôo, carregando malas, sacolas e demais apetrechos, já com o coração saindo pela boca. É quando vem do auto-falante a notícia de que o seu avião estaria atrasado, talvez por hora, talvez por mais.

Era uma notícia boa e ruim ao mesmo tempo. E como não restava nada a fazer, respirou fundo, examinou seu relógio de pulso, dourado, encantador e que herdara de sua avó materna. E teve até, num lampejo lembranças dela, brotando em seus lábios um leve sorriso de saudade. Olhou em sua  volta e deparou com convidativos bancos de madeira onde poderia, finalmente, sentar-se, aguardar a sua hora, ler o jornal, ligar para as pessoas, pensar na vida, enfim. Aproximou-se então de um deles e ali depositou com cuidado suas bolsas, valises, pacotes, encomendas, aliviando seu corpo do peso e da pressa que eram, afinal, parceiros de toda uma vida,  em que, conforme dizia, desancava carregando pedras.

Foi aí que se lembrou que estava com um pouco de fome e que seria bom se divertir com o gostoso troc-troc e a crocância nos dentes daquele biscoitinho de polvilho que tanto gostava e que, aliás, traria mais lembranças de sua saudosa avó que há tempos, havia partido. Seria maravilhoso repensar tudo, visitar o passado e degustando aquele biscoito que fazia, sim, parte da sua infância, dos bons momentos da sua história. Assim, foi até ao quiosque mais próximo, comprou um belo e transparente pacote dos seus preferidos, com gostinho de sal e aquela pimenta suave que encantava com o sabor e o revestir das lembranças. Relembrando seu passado. Matando saudades.

Estava ali sentada, perdida em seus pensamentos, quando chega um simpático e bem vestido senhor. Os dois se olham, trocam cumprimentos e meia dúzia de palavras sobre vôos, horários, partidas. Ele pede licença e senta-se ao seu lado e os dois começam a devagar, por  instantes, cada um em suas reminiscências.  Quando ele, inesperadamente, de forma lenta  e educada, enfia a mão no pacote de biscoitos que estava no banco entre os dois e saboreia com um ar de alegria o biscoito estalante. Ela, vendo e ouvindo aquilo, achou estranho, mas não disse nada. Pegou também um biscoito, comeu, ainda pensativa no ato, que embora simples, não esperava daquela pessoa. Mas, tudo bem...

Eis que o homem, mostrando gostar da iguaria, pegou educadamente mais um biscoito e começou a comer. Aí sim, ela achou mais estranho, franziu a testa e se apressou em apanhar o terceiro biscoito, sempre surpresa com atitude impensada e até meio desrespeitosa daquele senhor com aparência doce, educada, e,  a princípio, muito especial. Continuaram, como que, naturalmente aquela façanha gastronômica. Na medida em que o homem pegava um biscoito, ela pegava outro. E até dava um sorrisinho desconfiado para o homem, no que era correspondida e cada vez entendia menos. Assim, foi-se o tempo e perdida nos seus pensamentos, nem percebeu que agora já era chamada para o seu vôo que sairia quase que de imediato.

Ao recolher seus pertences, viu que sobrava no pacote um último biscoito e tratou de comê-lo rapidamente, pois, ao menos, teria aquele direito. Retirou o biscoito, amassou o saco de plástico transparente, jogou-o no lixo e saiu apressada para pegar o seu acento no avião sob pena de perder aquele vôo já tão esperado. Fez questão de nem se despedir do seu sócio indesejado de sua iguaria - ao menos isso. Enquanto buscava a aeronave pensava no quanto as pessoas são estranhas e folgadas. Faltava, de fato, educação e costumes, ainda mais para alguém tão sóbrio e que demonstrava aquela sensatez toda.

Ao abrir o  porta-malas superior do avião que já se movimentava no pátio pronto para alçar  vôo e que ela ia colocar a sua sacola no alto, eis o susto: - Viu o seu pacote de biscoitos ali inteirinho, intacto, intocado. Percebeu, então que não era o homem, mas ela o ser sem educação, invasivo, sem respeito ou cultura que invadira, sem a permissão ou consentimento o território, a privacidade alheia, ainda, comendo o  último biscoito e jogando, atrevidamente, o pacote que não era dela no lixo, saindo dali, duramente, sem se despedir. Se arrependia profundamente de tudo e daria tudo para poder voltar onde estava o homem para desfazer, dentro do possível o pior de todos os enganos de sua vida.

Repensou tudo naquele momento e um gelo inexplicável subiu-lhe pela coluna. E ela cheia de vergonha e do desejo, agora impossível, de abraçar aquele homem, oferecer-lhe o pacote inteiro e pedir-lhe milhões de desculpas. Mas era tarde. O avião já estava no ar e ela não tinha e não teria nunca mais aquela pessoa ao alcance dos olhos. E tudo  era desesperador, tendo que se acostumar com a realidade do caminho sem volta e, de repente, nada mais poder fazer como em muitos desafios da vida.

Ficou com tudo isso a lição para o não julgamento de nada, nem de ninguém. Que, por mais que nos surpreenda, conscientemente, ou não, o errado poderemos ser nós, com ações, palavras, pensamentos e às vezes já tarde demais ou impossível, o se desculpar, ou o refazer o mal, o erro ou a grande injustiça que podemos estar cometendo.

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