segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

ETERNAMENTE, CLARICE!!!

Minha vida me quer escritor e então escrevo. Não é por escolha: é íntima ordem de comando. (Um sopro de vida)
Faço o possível para escrever por acaso. Eu quero que a frase aconteça. (Um sopro de vida)
Voar baixo para não esquecer o chão. (Um sopro de vida)
Às vezes sou espesso como Beethoven, outras vezes sou Debussy, estranha e leve melodia. Tudo acompanhado de uma respiração, três movimentos e escorrendo de quatro maravilhas. (Um sopro de vida)
Nunca vi uma coisa mais solitária do que ter uma ideia original e nova. Não se é apoiado por ninguém e mal se acredita em si mesmo. (Um sopro de vida)
Uma ou outra frase se salva das trevas e sobe volátil à minha superfície: então anoto aqui. (Um sopro de vida)
Me coisificam quando me chamam de escritor. Nunca fui e nunca serei. Recuso-me a ter papel de escriba no mundo. (Um sopro de vida)
Sou um enigma para a esfinge e no entanto não a devorei. Decifra-me, disse eu à esfinge. (Um sopro de vida)
O futuro já está comigo e não vai me desatualizar. (Um sopro de vida)
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. (A hora da estrela)
Entre os fatos há o sussurro. É o sussurro o que me impressiona. (A hora da estrela)
Se um dia Deus vier à terra haverá silêncio grande. (A hora da estrela)
Até no capim vagabundo há desejo de sol. (A hora da estrela)
Tudo acaba mas o que te escrevo continua. O que é bom, muito bom. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas. (Água viva)
Ah, viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não para, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito. (Água viva)  
“Eu te amo” era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé. (Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres)
Uma folha que caíra batera-lhe nos cílios. Achou então Deus de uma grande delicadeza. (Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres)
Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. (A paixão segundo G.H.)
Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. (A paixão segundo G.H.)
O que eu tinha não me era conquista, era dom. (A paixão segundo G.H.) Eu chegara ao nada, e o nada era vivo e úmido. (A paixão segundo G.H.)
As coisas são muito delicadas. A gente pisa nelas com uma pata humana demais, com sentimentos demais. (A paixão segundo G.H.)
Ser é ser além do humano. (A paixão segundo G.H.) “Eu” é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo. (A paixão segundo G.H.)
Quem sou? Bem, isso já é demais. (Perto do coração selvagem) É preciso não ter medo de criar. (Perto do coração selvagem)
Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome. (Perto do coração selvagem)
Outro morrendo, outro ouvindo música, alguém entrou num banheiro, isto é o mundo. (Perto do coração selvagem)
Onde se guarda a música enquanto não soa? (Onde estivestes de noite)
Gostar de estar vivo dói. (A legião estrangeira)
Toda palavra tem a sua sombra. (A legião estrangeira) Sentimentos são águas de um instante. (A legião estrangeira)
Ser ou não inteligente dependia da instabilidade dos outros. (Felicidade clandestina)
Que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei que o que é sede. (Para não esquecer)
Como gato por lebre a toda hora. Por tolice, por distração, por ignorância. E até às vezes por delicadeza: me oferecem gato e agradeço a falsa lebre, e quando a lebre mia, finjo que não ouvi. (A descoberta do mundo)

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