RESENHA BIBLIOGRÁFICA
COMENTADA DO LIVRO:
EDUCANDO MENINOS E
MENINAS PARA UM MUNDO NOVO
AUTORA: ROSE MARIE
MURARO
EDITORA: ZIT GRÁFICA E
EDITORA
HIGIENÓPOLIS – RJ –
2006
ANTONIO DA COSTA NETO
“Nossa cultura orgulha-se de ser
científica, doutrinada pelo pensamento racional que é considerado como a única
forma de conhecimento aceitável, e, por sua vez, tido como muito superior ao saber intuitivo.
Esta é uma atitude muito difundida em nossos sistemas educacionais, levando à
ideia perigosa de que, por esta razão, o macho – racional – domina a fêmea –
intuitiva – o que leva, culturalmente, a uma profunda e milenar exploração da
mulher.
A noção do masculino como dominador
da natureza feminina e a crença do papel superior da mente racional foram
também apoiadas pela tradição judaico-cristã que adere à imagem de um deus
macho - masculino – que é a personificação da razão suprema e a fonte do poder
único que governa o mundo impondo a sua lei divina.
Assim, o pensamento racional e
auto-afirmativo do homem é aceito e ensinado como sendo o mais importante, o
fundamental e espera-se das mulheres uma outra forma de pensar mais dócil e
submissa, o que também é esperado dos empregados. Situação semelhante existe em
nossa educação na qual o comportamento competitivo é reforçado e são
desencorajadas as ideias originais, criativas e o questionamento da autoridade.
É o refinamento da competição (masculina) em detrimento da cooperação
(feminina); uma herança errônea dos darwinista sociais de que a vida em
sociedade deve ser entendida como uma luta pela sobrevivência dos mais aptos –
mais uma vez, os machos.
Desta feita, a abordagem agressiva
tornou-se a ideal no mundo dos negócios. Mas, por outro lado é evidente que o
comportamento agressivo se fosse o único tornaria a vida insuportável. Pois,
mesmo os indivíduos mais ambiciosos, mais orientados para a realização de metas
determinadas, necessitam de apoio compreensivo, de contato humano, de carinho e
de momentos de descontração. E, em nossa cultura força-se a mulher a satisfazer
estas necessidades. Então, as secretárias, recepcionistas, aeromoças, enfermeiras,
professoras, donas de casa executam as tarefas que tornam a vida mais
confortável para que os competidores possam triunfar.
Elas alegram seus patrões e fazem
cafezinhos para eles; ajudam a apaziguar os conflitos no escritório, são as
primeiras a receber os visitantes e a entretê-los com conversas amenas. Nos
consultórios médicos ou hospitais são as mulheres que estabelecem o contato
humano com os pacientes e iniciam os processos de cura. Nos departamentos de
física as mulheres fazem chás e servem bolinhos, em torno dos quais os homens
discutem suas teorias. E, como todos estes serviços não envolvem funções diretamente
produtivas, eles são secundarizados e educam-se as mulheres para desempenhá-los
recebendo salários infinitamente inferiores. Na verdade, muitas destas mulheres
nem sequer são pagas, como as donas de casa e as mães. "
(Fritjof Capra)
(Fritjof Capra)
I – DADOS GERAIS DA OBRA:
Este pequeno livro faz parte da coletânea
intitulada Um novo mundo em gestação, em que a autora nos retrata os
melindres e estereótipos da educação dos gêneros pela família, pela cultura, e, principalmente,
pela escola, no sentido de se perpetuar os privilégios de classes sociais
distintas, tendo em vista, o patriarcado, as relações sócio-econômicas-produtivas
do capitalismo culminando com a exploração absoluta da mulher pelo homem –
dando origem a todas as outras violências concretas ou simbólicas e os conflitos dos meios de vida,
especialmente, nas civilizações tidas como modernas – o que constitui o maior dos atrasos em que
vive a humanidade, há, pelo menos 10 mil anos.
Reflete como as formas da educação formal e
informal dos homens e mulheres faz-nos pensar sobre a sociedade patriarcal, a
submissão da mulher, sendo ela o elemento social que sofre os impactos da mais
fortes das explorações, em especial, nas classes proletárias. Depois da
exploração do capital, do trabalho, vem ainda a exploração de gênero, ou seja,
a mais massacrante de todas. E para melhor entende-la é preciso saber como os
ricos e os pobres adestram ou educam seus filhos para que ambos permaneçam,
eternamente, nas suas classes de origem.
A autora leva-nos a entender os mecanismos e
os porquês de ser a educação e a escola, espaços profissionais eminentemente
femininos e desvalorizados pela dinâmica do capitalismo. Explica as
ambiguidades negativas da globalização e de como, especialmente, mulheres
educam meninos e meninas para que permaneçam à mercê da sociedade que cada vez
mais os explora e consome e o pior, ninguém se dá conta disto.
Não seria esta uma estratégia clara de se
pulverizar a exploração e o medo para que ambos perdurem eternamente no seio
das sociedades, fazendo os maiores estragos e ainda assim, tudo permaneça como
natural?
Por que a educação formal é um espaço
profissional eminentemente feminino, desvalorizado e mal remunerado? Já não
estaria aí centrado um processo básico de exploração que já é ensinado a todos
tanto na teoria quanto na prática? O que e como ensinar a homens e mulheres, a
meninos e meninas para destruir os estereótipos da exploração com que se
rejubilam os detentores do poder nas sociedades capitalistas? Nas sociedades
patriarcais que, absurdamente, ainda existem até hoje? O que teria a escola e a
educação feito neste sentido? Continuam dentro de suas práticas cotidianas
prestando serviços ou desserviços?
Estariam homens e mulheres conscientes do
processo histórico desta mesma exploração historicamente corrosiva? O que e
como afinal, fazer? Como definir as estruturas teóricas e práticas da educação
de homens e mulheres para que seja possível a sociedade justa e livre com que
todos sonhamos? Como educar meninos e meninas para um mundo novo em gestação?
II – DADOS GERAIS DA AUTORA:
ROSE MARIE MURARO
* Rio de Janeiro, RJ (11/11/1930)
+ Rio de Janeiro,
RJ (21/06/2014)
Intelectual, escritora e feminista brasileira.
Aprendeu desde cedo a lutar contra as dificuldades, físicas e sociais, com
força. Nasceu praticamente cega, e somente aos 66 anos conseguiu recuperar
parcialmente a visão com uma cirurgia. Estudou Física, foi escritora e editora
de livros, assumindo a responsabilidade por publicações polêmicas e
contestadoras. Ao longo da vida, escreveu bem mais de 40 livros, como "Os
Seis Meses Em Que Fui Homem"(1993), "Por Que Nada
Satisfaz As Mulheres E Os Homens Não As Entendem"(2003) e muitos
outros, que venderam mais de 1 milhão de exemplares.
Nos anos 70, foi uma das
pioneiras do movimento feminista no Brasil. Nos anos 80, quando a Igreja adotou
uma postura mais conservadora, passou a ser perseguida pelos ideais
libertários, tidos, por razões óbvias, como altamente subversivos e prejudicais
à sociedade. A atuação intensa no mercado editorial é fruto de uma cabeça muito
à frente do seu tempo cuja visão atenta da sociedade pode ser comparada a de
muito poucos intelectuais da atualidade. As ideias refletem-se na vida pessoal
desta mulher notável: Há pouco tempo, Rose Marie Muraro desafiou
os próprios limites quando, aos 66 anos, recuperou a visão com uma cirurgia e viu
seu rosto pela primeira vez, quando declarou: - “Agora eu sei que sou uma
mulher bonita...”
Oriunda de uma das mais
ricas famílias do Brasil nos anos 1930/1940, aos 15 anos, com a morte repentina
do pai e consequentes lutas pela herança, rejeitou sua origem e dedicou o resto
da vida à construção de um novo mundo: mais justo, mais livre. Nesse mesmo ano
conheceu o então padre Helder Câmara e se tornou membro
de sua equipe. Os movimentos sociais criados por ele nos anos 40 tomaram o
Brasil inteiro na década seguinte. Nos anos 1960, o golpe militar teve como
alvo não só os comunistas, mas também os cristãos de esquerda.
Nos anos 1980,
presenciou a virada conservadora da Igreja, e em 1986, Rose e Boff
foram expulsos da Vozes, por ordem do Vaticano – João Paulo II,
o santo. Motivo: a defesa da teologia da libertação, no caso de Boff e
a publicação, por Rose, do livro "Por Uma Erótica
Cristã". Ela introduziu a questão da classe social no estudo de gênero
e foi a primeira mulher a estudar de forma sistemática a sexualidade da mulher
brasileira a partir da situação ou classe social.
Foi palestrante nas
universidades de Harvard e Cornell, entre tantas
outras instituições de ensino americanas, num total de 40. Editou até o ano
2000 o selo Rosa dos Tempos, da Editora Record. Foi Cidadã
Honorária de Brasília (2001) e de Cidadã Honorária de São
Paulo (2004). Ganhou o Prêmio Bertha Lutz (2008), e
principalmente, pela Lei 11.261 de 30/12/2005 passada pelo Congresso Nacional
foi nomeada Patrona do Feminismo Brasileiro.
Morre na manhã de
sábado, 21/06/2014, aos 83 anos, no Rio de Janeiro, em consequência de
problemas respiratórios. Leva, além de um talento extraordinário, uma vasta cabeleira ruiva e dois olhos azuis lindamente estonteantes. Tinha 5 filhos e 12 netos, frutos de um casamento
de 23 anos, uma alma leve e um sorriso encantador que ficou cravado nos seus lábios,
certamente, para toda uma eternidade.
III – SINOPSE DA OBRA:
Não podemos desassociar a questão do
gênero com a questão das classes sociais e estas, de sistema sócio-político e
econômico: ou seja, a origem do capitalismo e dentro dele as questões do gênero
e da opressão, conceitos que são usados para criar dominantes e dominados,
principalmente, na infância, onde são construídas suas raízes, daí a
necessidade mais que urgente de se educar dando consciência de gênero aos
professores, aos pais e, em especial, às
crianças.
No século XXI a questão de gênero
será muito mais importante do que a de classe social – destruindo a ideia de
que é natural a exploração da mulher pelo homem, mas a mais profunda de todas
as formas de exploração é a que a criança recebe logo ao nascer. Nossa meta
neste sentido é a de erradicar o patriarcado e o Séc. XXI será o século do
gênero, assim como o Séc. XX foi o das classes sociais. E se não chegarmos à conclusão de que os segmentos da paz, da preservação e
da vida são valores femininos, jamais reverteremos o processo de destruição da
humanidade e do planeta. Portanto, comecemos do início, ou seja, da criança.
Entendemos que a classe dominada é a
que vive da força do seu trabalho e a
dominante é a dona do dinheiro, do capital, das indústrias, dos bancos, do
Estado, e, enfim, compra a força de trabalho da que não tem nada mais o que
vender e que precisa se manter viva – um dogma sedimentado pela nossa cultura
que já facilita tudo.
Temos também a classe média que ora
se associa ao proletariado – a categoria que trabalha e ora se associa aos
detentores do comando do capital. Portanto, a classe média não é oprimida e nem
opressora, podendo associar-se a estas duas, dependendo do momento, do estado e
do interesse. Este é o jogo que mantém viva a sociedade capitalista. Mas aqui
não nos interessa a vida dos adultos destas classes sociais e sim, a forma como
educamos as suas crianças, podendo, então, transformar ou perpetuar a situação
macro. É a educação que perpetua os privilégios ou muda a sociedade de classes,
ela é um fator determinante neste processo: “faz a cabeça das pessoas.”
Segundo pensadores como Deleuse &
Guatari: “A primeira relação não é a relação do filho ou da filha com a mãe e
sim, com o lugar que esta mãe ocupa no sistema produtivo, porque faz toda
diferença ter uma mãe rica ou ter uma mãe pobre.”
Estranhamente, a educação no Brasil
faz tudo para que as crianças da classe operária continuem como dominadas e as
crianças ricas continuem na classe dominante. Portanto, a educação não começa
na escola, mas no ventre materno. Tudo que a criança recebe nos primeiros anos
de vida ela irá incorporar para sempre em sua mente. É o chamado “efeito 0 a 5”
e ela não irá questionar, ela irá achar natural tudo o que acontece em sua
volta, num processo absoluto de incorporação e transferência.
No caso da mãe desnutrida a criança
irá retirar dela tudo o que precisa durante a sua gestação, mas nem sempre irá
alcançar um desenvolvimento satisfatório. Elas nascem mais fracas e mais
magrinhas do que as crianças de outras classes sociais. Desde que nascem, as
mães continuam trabalhando e não cuidam delas como deveriam. Uma mãe operária
pode deixar uma criança faminta chorar até mais de uma hora seguida sem poder
dar-lhe atenção, o que nos leva a ter a ideia da diferença do choro de uma
criança “normal” e de uma criança cuja mãe não lhe oferece o adequado cuidado.
A criança que chora e tem que parar
de chorar porque não foi atendida, geralmente, é mais quieta do que as demais.
Elas aprendem a se aquietarem e passam a achar “normal” a necessidade e o
sofrimento e isto faz toda diferença em termos do trabalho, da produção, e, lógico, da construção
psicológica de sua vida futura. Elas vão se tornando “naturalmente oprimidas” e ficam passivas diante do infortúnio e da
infelicidade. Intuem que a “minha fome não é para ser satisfeita e esta é a
ordem natural das coisas”. Fica então impresso na cabeça da criança: “minha
fome, meus desejos e minhas necessidades não serão satisfeitos e esta é a ordem
natural das coisas.” O fato da mãe não cuidar bem da criança para trabalhar
cria nela a passividade, a resignação. “Tudo é destino ou vontade de Deus.” A
religiosidade popular dita que ela tem que carregar a própria cruz sem se
queixar. A felicidade só será encontrada no céu se a cruz for bem carregada.
“Já o patrão não carregará cruz nenhuma e irá para o inferno: O reino dos céus
é para os pobres, principalmente, aos de espírito.”
Entendemos, assim, porque a classe
pobre não se revolta contra a vida dura, o que vem mudando nos últimos sessenta
anos. A noção de Deus misericordioso impõe a sua vontade e faz com que o patrão
pague um salário mínimo que vale quatro vezes menos do que deveria valer, o que
é aceito com toda a resignação, “pois trata-se da vontade soberana de Deus”, o
que leva também à obediência cega ao patrão – que representa Deus neste
processo – sendo esta a raiz do clientelismo.
Para as mulheres, além da vontade de
Deus e do patrão, pesa sobre elas ainda, a vontade dos maridos que as leva a
acreditar que não têm o direito ao amor ou ao respeito. Assim, surge uma outra
classe social, a do machismo clientelista que leva a uma religiosidade passiva
que é a mais oprimida das classes sociais. É a opressão sem esperança: homens
agradam os patrões, mulheres agradam os maridos e as crianças ajudam os pais – que são, simbolicamente, os
patrões – escamoteando assim a “opressão real” – a do capital sobre o trabalho
– ou seja, a do dono do dinheiro contra quem trabalha e assim, sempre.
Este é o fruto amargo de uma educação
que é o instrumento do sistema sócio-político-econômico para manter a pessoa
dentro da classe social e não pensar em transformar a sua situação sub-humana.
Faz isto mas prega, logicamente, o contrário. Assim, o ambiente em que nasce a
criança determina o resto de sua vida, o que reforça diretamente, a perpetuação
da sociedade de classes e suas mazelas num eterno ciclo vicioso. Mas a partir
do final do Séc. XX estamos vivendo uma enorme revolução da consciência
coletiva de dominação devido à ação dos movimentos sociais e por via do aumento
da urbanização, a diminuição do analfabetismo e o crescimento dos meios de
comunicação de massa, o que atinge, dentre outros, camponeses, indígenas e
operários, que, inclusive, perderam seus empregos em virtude do desenvolvimento
da tecnologia.
A consciência da exploração leva os
oprimidos a se organizarem, passando a eleger para presidentes da república,
operários, indígenas e mulheres, o que acontece na aurora do Séc. XXI. No
Brasil surgem movimentos como o MST e outros segmentos que tendem à mudança do
Estado tornando-o, de competitivo para solidário e inclusivo. Contudo, as
classes mais ricas ignoram “esta virada”. E para melhor entender a educação é
preciso também entender como os mais ricos “adestram ou educam” seus filhos. Em
primeiro lugar, os filhos dos ricos desde que nascem têm todos os seus desejos
satisfeitos, especialmente, os de alimentação. Eles são criados por babás que
eles, muito cedo já aprendem a dominar. Desde que nasce a criança rica pensa:
“minhas vontades e minha fome são para serem satisfeitas” – assim passa,
automaticamente, a acreditar que o mundo pertence a ela e que por isso mesmo
pode burlar a lei que é feita por seus representantes diretos no mundo dos
adultos. O homem e a mulher da classe dominante já aprendem a hipocrisia no
seio materno. Fazem as leis mas não as cumprem. Têm um discurso moralista mas cometem o aborto e o
adultério. É o famoso “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Alegam
a honestidade, mas sem escrúpulos, vivem da corrupção, do roubo formal e
estruturado que enriquece os ricos e empobrece os pobres “e tudo fica como
natural e aceito”. Desde que nascem os filhos da classe dominante aprendem a
manipular a sociedade e tiram dela todos os proveitos, o que passam para as
suas gerações futuras.
No geral, na classe dominante, os
pais só se fazem presentes a partir da adolescência, que é quando os filhos
começam a escolher as suas próprias profissões. Pois durante suas infâncias as suas crianças, são entregues às babás, pois
as mães estão ocupadas com massagens, cabeleireiros, etc. para se manterem em
forma para as exigências do “mercado sexual” as exigências formais da sociedade.
Elas têm um ou dois filhos, enquanto as mulheres dominadas têm muitos, pela
vontade de Deus e cumprindo os ensinamentos da igreja. O sistema é mantido da
forma como a cultura dominante é passada para as crianças, Pela educação formal
e pela educação informal, pelas classes dominadas ou dominantes, ou ainda, pela
família ou pela escola. E pior, esta estrutura toda é aceita como natural.
E ainda, nela toda a mulher é tida
como um “ser inferior” e a chamada superioridade do homem que existe há mais de
10 mil anos, o patriarcado que sustenta a competitividade especialmente,
corrupta e fraudulenta. E a primeira exploração que a criança vê é a do pai
contra a mãe, ou seja, do homem contra a mulher: a dominação de gênero onde
impera a lei do mais forte de onde surge a violência do Estado tida e aceita
também como natural. Por isso, ao educar a criança, deve-se retratar a
violência produtivo-econômica da sociedade em que vivemos. A função do
professor não é só a de transmitir conhecimento, repassando a cultura inteira.
Mas levar a entender que a “estrutura natural” com ricos e pobres mudou a face
do mundo mas as pessoas não tomaram uma consciência clara sobre a concentração
da riqueza e o infinito engrandecimento da pobreza, justamente, porque se
acostumaram com a sua “naturalidade” cotidiana.
Com isto, as dominações, inclusive a
do homem contra a mulher continua viva até hoje, o que começa a ser combatido
com a cultura de gênero. Levando, principalmente, as mulheres a tomarem
consciência da opressão causada pelo patriarcado sobre ricos e pobres e sobre
homens e mulheres. Surge então, a luta de classes, pela qual as pessoas
procuram acabar com a exploração e a dominação de uns sobre os outros. Mas para
combater esta relação de opressão é preciso primeiro acabar com os estereótipos,
formas e visões impostas. E de todos os estereótipos que temos o maior e o mais
forte é, justamente, o estereótipo de gênero. É dele que nascem todos os
outros. Quando alguém diz: “menino não brinca de boneca” ou “homem não chora ou
não leva desaforo para casa.” “Menina não senta desta ou daquela forma” está
criando um fosso entre homens e mulheres que irá refletir negativamente, mais
tarde no seio da sociedade. Levando, inclusive, a mulher a trabalhar muito mais
e a ganhar muito menos, dando, portanto, muito mais lucro para a classe dominante.
Isto, pelos conceitos e préconceitos que nos são enfiados na cabeça pela nossa
cultura, a família, a escola.
Quando se diz que homem não brinca
com boneca, está se afastando o homem dos trabalhos de casa. A casa é
responsabilidade da mulher e quando se junta a isto que o homem não leva
desaforo, aponta a rua como domínio do homem e a competição, o jogo bruto
acabam aceitos como naturais. O vencedor vai querer ser vencedor, ganhador
sempre. E o perdedor incute na sua cabeça que é um eterno perdedor, criando
assim, o eterno perde/ganha que é o pior defeito de nossa sociedade. Os mais
fracos não devem se envolver com os mais fortes, criando, assim, a segregação,
a separação entre ricos e pobres e a educação, a cultura, a família, reforçam,
naturalmente, estas sérias distorções e os seus resultantes mais perversos.
Assim, o público é domínio do homem,
enquanto as mulheres passivas ficam em casa, lavando, cozinhando, servindo aos
ímpetos sexuais e recebendo “de favor do homem bonzinho” o alimento e os meios
básicos para sobreviver. Além dos estereótipos de gênero, temos ainda aqueles
de raça e etnias: negro, preto e feio, o cabelo é ruim, etc. o que também se
reflete nos textos bíblicos e em outras formas de culturas de massa.
Na língua portuguesa o masculino se
sobrepõe ao feminino e vagabunda é a mulher promíscua, pois isto é o que ela
sabe fazer por instinto e pela fragilidade de sua inteligência intuitiva, e,
portanto, secundária, Mas, ao contrário, as pesquisas mostram que homens e
mulheres têm iguais condições de mente e inteligência suficiente para todas e
quaisquer atividades. A questão é que a nossa cultura desestimula as mulheres
para as atividades e funções que são mais sofisticadas e melhor remuneradas;
são os resquícios do patriarcado. Em vinte anos a luta das mulheres nos Estados
Unidos começou a dar grandes resultados com a mudança dos homens que passaram a
contribuir muito mais com o trabalho das mulheres na jornada doméstica.
No Brasil ainda hoje, o sistema
cultural resiste bravamente à libertação da mulher e ainda chama aquelas que lutam pelos seus direitos de
feministas, de lésbicas, de insatisfeitas, mal-amadas, machonas, etc. E
inclusive, por isso, o Brasil ainda não atingiu o desenvolvimento
sócio-político-econômico suficiente para chegar perto do chamado “primeiro
mundo”, outra anomalia viciante, mas desta vez, em nível internacional. Na
verdade, a maioria dos países do primeiro mundo é cruel e desumana. A
globalização, ao contrário do que se pensa é um grande mal. A China escraviza
as pessoas para vender produtos baratos. O meio ambiente está sendo mega explorado,
e, igualmente, os pobres, e, se nada for feito neste sentido nos próximos
cinquenta anos, estaremos num seríssimo risco de extinção.
Aí entra novamente, a questão de
gênero trazendo as mulheres para a força de trabalho para que elas tragam junto
os valores femininos de manutenção e preservação da vida ao contrário dos
valores masculinos baseados “na busca do lucro a qualquer preço e no salve-se
quem puder”. A mulher hoje é independente e não justifica mais a existência de
campos específicos criados pelo patriarcado para homens e mulheres. Hoje, a
responsabilidade da criação dos filhos, a manutenção da casa, o cotidiano da família
é de responsabilidade conjunta tanto dos pais quanto das mães. Foi-se o tempo
em que os meninos se identificavam com os pais e as meninas com as mães,
reproduzindo, assim, a desigualdade entre os gêneros. Meninos e meninas
precisam de “uma outra mãe, ou seja, de um pai que cuide deles” e a quem possam
amar da mesma forma e não mais, competir com ele com todas as forças.
A situação da mulher praticamente,
até os dias de hoje, sempre foi de inferioridade econômica e psicológica, daí
os filhos e filhas rejeitarem a mãe porque não queriam se aliar a uma pessoa
inferior. O patriarcado induz o homem ao medo do afeto, da sensibilidade e do
amor porque pensam que se tornam mais femininos, e, portanto, “inferiores”,
frágeis e perdedores, o que é uma inverdade absoluta criada pela cultura
patriarcal. Mas o homem precisa tornar-se mais humano e menos reprimido,
passando esta nova cultura também para os filhos homens, formando uma sociedade
muito mais democrática e pluralista.
Nunca existiu democracia no mundo
patriarcal porque o homem não se acostumou ao exercício do amor e temos que
acabar com esta que é a pior das ditaduras e libertar a mulher para que seja,
ao mesmo tempo, uma excelente profissional, uma boa mãe e uma ótima dona de
casa. E também precisamos fazer tudo para libertarmos os homens para uma
liberdade correlata. O desenvolvimento de um país depende da liberdade de suas
duas metades: a masculina e a feminina. Só os dois gêneros juntos podem
reverter o processo de destruição da espécie humana que se avança através dos
séculos. Menino gostar de brincar de bonecas não significa, necessariamente,
que será um “maricas”. Tudo dependerá da aceitação e do diálogo. Assim, ele
será, certamente, um pai fraterno, um
esposo amoroso, um profissional sensível e sem preconceitos. E também se tiver
uma conduta homossexual amadurecida, terna e fraterna isto não terá o menor
problema, pois a diversidade, inclusive, a sexual, está aí para ser vivida em
sua plenitude. Homens e mulheres não nasceram para ser hétero ou homossexuais,
nasceram para ser plenos e felizes.
É preciso que meninas e meninos brinquem
juntos, troquem de funções nas brincadeiras sem sustos e maledicências. É igualmente
necessário que meninos e meninas aprendam a cozinhar, lavar, passar e se
cuidarem mutuamente. É necessário também que eles se observem, se respeitem e
que entendam as funções que irão exercer futuramente, como adultos,
profissionais, pais e mães, na construção e na preservação da vida para ambos.
Se entreajudem, exteriorizem sentimentos positivos e negativos como dores,
mágoas, tristezas, alegrias e felicidades. Sintam as sensações do futuro, se
interajam e melhor se conheçam e se respeitem em semelhanças e diferenças.
Coisas que a educação de hoje raramente possibilita e para pouquíssimas
crianças e adolescentes.
As crianças devem entrevistar pais e
mães, especialmente, os do sexo oposto (menina/pai e menino/mãe) e falarem
sobre aspectos da vida, ideias, sonhos, frustrações, sexualidade, prazer. Fazer
brincadeiras mistas, com homens e mulheres enfrentando situações diversas de um
e de outro. Multiplicar e dividir juntos vitórias e derrotas, contrapropor,
discutir, confrontar ideias de forma sábia e civilizada. Discutirem “questões
polêmicas” como ser pai e ser mãe, aborto, privilégios dos machos, erros e
acertos, etc. Dirimir dúvidas e possibilitar a todos encarar de frente as
verdades e desnudá-las sem medo. Comentar notícias de jornais, programas de televisão,
de rádio, informes da internet, etc. Sempre pontuando questões de gênero e de
poder econômico e seus aspectos na vida das pessoas e o diferencial disto na
vida de homens e mulheres. Colocar para fora os problemas de gênero, raças, etnias
e diferenças sociais, preconceitos, sofrimentos, marginalização.
Assim, as crianças e adolescentes
irão aprender a se reunir, entenderão a dinâmica de poder, os grupos e mais tarde,
saberão decidir sobre seu bairro, sua cidade, a sociedade, a vida, com o quê
estaremos ajudando a construir um mundo melhor, mais justo, plural e muito mais
evoluído do que temos hoje. Um passo importante para uma vida mais digna de
homens e mulheres, realizando o nosso sonho ainda utópico de transformação para
o bem concreto: ou seja, uma sociedade melhor para todos.
Aprenderão a consumir menos e a
reverter o quadro avançado de degradação do planeta e de extinção da espécie
humana. Só as crianças poderão ter tempo para se dedicarem a esta missão tão
nobre urgente e muito mais do que necessária. Mas, para isto é necessário que
meninos e meninas percebam de forma clara a importância da diversidade de
gêneros, entendam a dimensão do amor e extingam para sempre todo o tipo de
exploração, e, especialmente, aquela dos homens contra as mulheres. Saindo da
competição para a cooperação plena e infinita. Pela vida e para a felicidade.
Se possível, sem limites.
IV – CRÍTICAS,
COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES:
Rose Marie Muraro deixa aqui o legado absoluto de sua santificação – não fosse, é claro,
inimiga mortal das calhordices capitalistas da igreja católica, expulsa e
perseguida, justamente, por sempre ter dito, sem medo, as verdades mais
profundas. Ou sejam, as que incomodam. Pergunto respeitosamente se estariam ou
não nossos educadores, especialmente, os que dedicam seus trabalhos a meninos e
meninas conscientes do que a autora aqui retrata com singular sabedoria?
Conhecem nossos educadores – de modo geral – as sutilezas críticas,
filosóficas, políticas e sociais de como deveríamos educar diferentemente, os
homens e as mulheres a partir de uma perspectiva histórica das condições de
gênero numa sociedade como a nossa?
Queiram me desculpar, mas acredito
mesmo que não. Nós, professores somos absolutamente carentes de quaisquer
saberes neste sentido – até porque eles nos são, estrategicamente, negados –
para que assim, a educação formal, aquela feita nas escolas dê o resultado
humano político e social que querem os que a direcionam: alienar e facilitar a
exploração, se possível absoluta do ser humano – homens ou mulheres –
tornando-os aptos e regenerados aos castigos e martírios sociais da sociedade
de consumo, quando a única coisa que têm para vender e sobreviver é a sua força
de trabalho. Às vezes, o próprio corpo e com ele, a dignidade, a cidadania,
diga-se de passagem, em padrões mínimos.
Não tenho o que tocar no texto da
queridíssima Rose. Ele é completo. Parece que a autora usou para esboça-lo o
esquadro da alma. Ela vai fundo nas questões da sociedade patriarcal, nos jogos
manipuladores da exploração capitalista da força de trabalho, especialmente, a
da mulher e a forma em que ela, enquanto peça do mercado é adestrada numa
escola fria, crua e sem os menores precedentes de antever e evitar este
desserviço degradante que presta em termos sócio-econômico-produtivo-sociais na
forma como educa os diversos gêneros, simplesmente, como se eles não
existissem, o que, toma um relevo muito maior dentro das perspectivas do
cotidiano que temos.
Este é um livro que,
indubitavelmente, deveria ser lido por todos os educadores, especialmente, os
que vivem e trabalham no capitalismo e para ele. Um texto a ser degustado ao
máximo nas licenciaturas, na formação de pedagogos, pais, mães e todos os que
trabalham na cadeia da preservação do conhecimento e da evolução da vida. Não é um tratado de reflexões românticas e
poéticas destes que levam a muito pouco. É uma faca afiada, um norteador do
perigo que exige a mudança da ação e do comportamento daqueles que o leem. Porque jamais dormirá em berço esplêndido o
educador que ler estas palavras e não se tocar para a mudança mais do que
necessária.
Impossível a qualquer educador
permanecer o mesmo depois desta leitura, deste debate. Nossas escolas, educação,
homens e mulheres só poderão crescer, desenvolver e serem muito melhores depois
desta leitura que, necessariamente, mudará as formas de pensar, e,
principalmente de fazer educação. De ratificar e modificar os princípios
filosóficos e práticos de como educar e ensinar meninos e meninas. E,
logicamente, formar cidadãos mais inteiros para uma sociedade muito melhor do
que a nossa, preservando e encantando esta maravilha que aprendemos a chamar de
vida.
Ave Rose!
Ave Marie!
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(*) MsC em Sociologia da Educação e Contemporaneidade – especialista em didática do ensino superior e sociologia do desenvolvimento. É professor universitário, pesquisador, conferencista. Autor de livros e inúmeros artigos sobre educação, sociedade, desenvolvimento, pobreza e ideologias. Atualmente, preside a Ong Silvânia Viva, onde coordena projetos e programas de desenvolvimento humano para a educação, a consciência ecológica e a liderança política.
(*) MsC em Sociologia da Educação e Contemporaneidade – especialista em didática do ensino superior e sociologia do desenvolvimento. É professor universitário, pesquisador, conferencista. Autor de livros e inúmeros artigos sobre educação, sociedade, desenvolvimento, pobreza e ideologias. Atualmente, preside a Ong Silvânia Viva, onde coordena projetos e programas de desenvolvimento humano para a educação, a consciência ecológica e a liderança política.
Vamos levar este debate para sua escola, universidade, empresa, grupo social.
Contatos:
Instituto Humanizar/Ong Silvânia Viva
61 3274 27 55 - 9832 25 37
antoniocneto@terra.com.br
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