terça-feira, 2 de setembro de 2014

RESENHA: EDUCANDO MENINOS E MENINAS PARA UM MUNDO NOVO

RESENHA BIBLIOGRÁFICA COMENTADA DO LIVRO:
EDUCANDO MENINOS E MENINAS PARA UM MUNDO NOVO
AUTORA: ROSE MARIE MURARO
EDITORA:  ZIT GRÁFICA E  EDITORA
HIGIENÓPOLIS – RJ – 2006


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POR:
ANTONIO DA COSTA NETO


“Nossa cultura orgulha-se de ser científica, doutrinada pelo pensamento racional que é considerado como a única forma de conhecimento aceitável, e, por sua vez,  tido como muito superior ao saber intuitivo. Esta é uma atitude muito difundida em nossos sistemas educacionais, levando à ideia perigosa de que, por esta razão, o macho – racional – domina a fêmea – intuitiva – o que leva, culturalmente, a uma profunda e milenar exploração da mulher.

A noção do masculino como dominador da natureza feminina e a crença do papel superior da mente racional foram também apoiadas pela tradição judaico-cristã que adere à imagem de um deus macho - masculino – que é a personificação da razão suprema e a fonte do poder único que governa o mundo impondo a sua lei divina.

Assim, o pensamento racional e auto-afirmativo do homem é aceito e ensinado como sendo o mais importante, o fundamental e espera-se das mulheres uma outra forma de pensar mais dócil e submissa, o que também é esperado dos empregados. Situação semelhante existe em nossa educação na qual o comportamento competitivo é reforçado e são desencorajadas as ideias originais, criativas e o questionamento da autoridade. É o refinamento da competição (masculina) em detrimento da cooperação (feminina); uma herança errônea dos darwinista sociais de que a vida em sociedade deve ser entendida como uma luta pela sobrevivência dos mais aptos – mais uma vez, os machos.

Desta feita, a abordagem agressiva tornou-se a ideal no mundo dos negócios. Mas, por outro lado é evidente que o comportamento agressivo se fosse o único tornaria a vida insuportável. Pois, mesmo os indivíduos mais ambiciosos, mais orientados para a realização de metas determinadas, necessitam de apoio compreensivo, de contato humano, de carinho e de momentos de descontração. E, em nossa cultura força-se a mulher a satisfazer estas necessidades. Então, as secretárias, recepcionistas, aeromoças, enfermeiras, professoras, donas de casa executam as tarefas que tornam a vida mais confortável para que os competidores possam triunfar.

Elas alegram seus patrões e fazem cafezinhos para eles; ajudam a apaziguar os conflitos no escritório, são as primeiras a receber os visitantes e a entretê-los com conversas amenas. Nos consultórios médicos ou hospitais são as mulheres que estabelecem o contato humano com os pacientes e iniciam os processos de cura. Nos departamentos de física as mulheres fazem chás e servem bolinhos, em torno dos quais os homens discutem suas teorias. E, como todos estes serviços não envolvem funções diretamente produtivas, eles são secundarizados e educam-se as mulheres para desempenhá-los recebendo salários infinitamente inferiores. Na verdade, muitas destas mulheres nem sequer são pagas, como as donas de casa e as mães. "     

  (Fritjof Capra)



I – DADOS GERAIS DA OBRA:



Este pequeno livro faz parte da coletânea intitulada Um novo mundo em gestação, em que a autora nos retrata os melindres e estereótipos da educação dos gêneros  pela família, pela cultura, e, principalmente, pela escola, no sentido de se perpetuar os privilégios de classes sociais distintas, tendo em vista, o patriarcado, as relações sócio-econômicas-produtivas do capitalismo culminando com a exploração absoluta da mulher pelo homem – dando origem a todas as outras violências concretas ou simbólicas  e os conflitos dos meios de vida, especialmente, nas civilizações tidas como modernas –  o que constitui o maior dos atrasos em que vive a humanidade, há, pelo menos 10 mil anos.

Reflete como as formas da educação formal e informal dos homens e mulheres faz-nos pensar sobre a sociedade patriarcal, a submissão da mulher, sendo ela o elemento social que sofre os impactos da mais fortes das explorações, em especial, nas classes proletárias. Depois da exploração do capital, do trabalho, vem ainda a exploração de gênero, ou seja, a mais massacrante de todas. E para melhor entende-la é preciso saber como os ricos e os pobres adestram ou educam seus filhos para que ambos permaneçam, eternamente, nas suas classes de origem.

A autora leva-nos a entender os mecanismos e os porquês de ser a educação e a escola, espaços profissionais eminentemente femininos e desvalorizados pela dinâmica do capitalismo. Explica as ambiguidades negativas da globalização e de como, especialmente, mulheres educam meninos e meninas para que permaneçam à mercê da sociedade que cada vez mais os explora e consome e o pior, ninguém se dá conta disto.

Não seria esta uma estratégia clara de se pulverizar a exploração e o medo para que ambos perdurem eternamente no seio das sociedades, fazendo os maiores estragos e ainda assim, tudo permaneça como natural?
Por que a educação formal é um espaço profissional eminentemente feminino, desvalorizado e mal remunerado? Já não estaria aí centrado um processo básico de exploração que já é ensinado a todos tanto na teoria quanto na prática? O que e como ensinar a homens e mulheres, a meninos e meninas para destruir os estereótipos da exploração com que se rejubilam os detentores do poder nas sociedades capitalistas? Nas sociedades patriarcais que, absurdamente, ainda existem até hoje? O que teria a escola e a educação feito neste sentido? Continuam dentro de suas práticas cotidianas prestando serviços ou desserviços?
Estariam homens e mulheres conscientes do processo histórico desta mesma exploração historicamente corrosiva? O que e como afinal, fazer? Como definir as estruturas teóricas e práticas da educação de homens e mulheres para que seja possível a sociedade justa e livre com que todos sonhamos? Como educar meninos e meninas para um mundo novo em gestação?

II – DADOS GERAIS DA AUTORA:


ROSE MARIE MURARO
* Rio de Janeiro, RJ (11/11/1930)
+ Rio de Janeiro, RJ (21/06/2014)

 Intelectual, escritora e feminista brasileira. Aprendeu desde cedo a lutar contra as dificuldades, físicas e sociais, com força. Nasceu praticamente cega, e somente aos 66 anos conseguiu recuperar parcialmente a visão com uma cirurgia. Estudou Física, foi escritora e editora de livros, assumindo a responsabilidade por publicações polêmicas e contestadoras. Ao longo da vida, escreveu bem mais de 40 livros, como "Os Seis Meses Em Que Fui Homem"(1993), "Por Que Nada Satisfaz As Mulheres E Os Homens Não As Entendem"(2003) e muitos outros, que venderam mais de 1 milhão de exemplares.

Nos anos 70, foi uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil. Nos anos 80, quando a Igreja adotou uma postura mais conservadora, passou a ser perseguida pelos ideais libertários, tidos, por razões óbvias, como altamente subversivos e prejudicais à sociedade. A atuação intensa no mercado editorial é fruto de uma cabeça muito à frente do seu tempo cuja visão atenta da sociedade pode ser comparada a de muito poucos intelectuais da atualidade. As ideias refletem-se na vida pessoal desta mulher notável: Há pouco tempo, Rose Marie Muraro desafiou os próprios limites quando, aos 66 anos, recuperou a visão com uma cirurgia e viu seu rosto pela primeira vez, quando declarou: - “Agora eu sei que sou uma mulher bonita...”

Oriunda de uma das mais ricas famílias do Brasil nos anos 1930/1940, aos 15 anos, com a morte repentina do pai e consequentes lutas pela herança, rejeitou sua origem e dedicou o resto da vida à construção de um novo mundo: mais justo, mais livre. Nesse mesmo ano conheceu o então padre Helder Câmara e se tornou membro de sua equipe. Os movimentos sociais criados por ele nos anos 40 tomaram o Brasil inteiro na década seguinte. Nos anos 1960, o golpe militar teve como alvo não só os comunistas, mas também os cristãos de esquerda.

Nos anos 1980, presenciou a virada conservadora da Igreja, e em 1986, Rose e Boff foram expulsos da Vozes, por ordem do Vaticano – João Paulo II, o santo. Motivo: a defesa da teologia da libertação, no caso de Boff e a publicação, por Rose, do livro "Por Uma Erótica Cristã". Ela introduziu a questão da classe social no estudo de gênero e foi a primeira mulher a estudar de forma sistemática a sexualidade da mulher brasileira a partir da situação ou classe social.

Foi palestrante nas universidades de Harvard e Cornell, entre tantas outras instituições de ensino americanas, num total de 40. Editou até o ano 2000 o selo Rosa dos Tempos, da Editora Record. Foi Cidadã Honorária de Brasília (2001) e de Cidadã Honorária de São Paulo (2004). Ganhou o Prêmio Bertha Lutz (2008), e principalmente, pela Lei 11.261 de 30/12/2005 passada pelo Congresso Nacional foi nomeada Patrona do Feminismo Brasileiro.

Morre na manhã de sábado, 21/06/2014, aos 83 anos, no Rio de Janeiro, em consequência de problemas respiratórios. Leva, além de um talento extraordinário, uma vasta cabeleira ruiva e dois olhos azuis lindamente estonteantes. Tinha 5 filhos e 12 netos, frutos de um casamento de 23 anos, uma alma leve e um sorriso encantador que ficou cravado nos seus lábios, certamente, para toda uma eternidade.

III – SINOPSE DA OBRA:

Não podemos desassociar a questão do gênero com a questão das classes sociais e estas, de sistema sócio-político e econômico: ou seja, a origem do capitalismo e dentro dele as questões do gênero e da opressão, conceitos que são usados para criar dominantes e dominados, principalmente, na infância, onde são construídas suas raízes, daí a necessidade mais que urgente de se educar dando consciência de gênero aos professores, aos pais e, em especial,  às crianças.

No século XXI a questão de gênero será muito mais importante do que a de classe social – destruindo a ideia de que é natural a exploração da mulher pelo homem, mas a mais profunda de todas as formas de exploração é a que a criança recebe logo ao nascer. Nossa meta neste sentido é a de erradicar o patriarcado e o Séc. XXI será o século do gênero, assim como o Séc. XX foi o das classes sociais. E se não chegarmos à conclusão  de que os segmentos da paz, da preservação e da vida são valores femininos, jamais reverteremos o processo de destruição da humanidade e do planeta. Portanto, comecemos do início, ou seja, da criança.

Entendemos que a classe dominada é a que vive da força do seu trabalho  e a dominante é a dona do dinheiro, do capital, das indústrias, dos bancos, do Estado, e, enfim, compra a força de trabalho da que não tem nada mais o que vender e que precisa se manter viva – um dogma sedimentado pela nossa cultura que já facilita tudo.

Temos também a classe média que ora se associa ao proletariado – a categoria que trabalha e ora se associa aos detentores do comando do capital. Portanto, a classe média não é oprimida e nem opressora, podendo associar-se a estas duas, dependendo do momento, do estado e do interesse. Este é o jogo que mantém viva a sociedade capitalista. Mas aqui não nos interessa a vida dos adultos destas classes sociais e sim, a forma como educamos as suas crianças, podendo, então, transformar ou perpetuar a situação macro. É a educação que perpetua os privilégios ou muda a sociedade de classes, ela é um fator determinante neste processo: “faz a cabeça das pessoas.”

Segundo pensadores como Deleuse & Guatari: “A primeira relação não é a relação do filho ou da filha com a mãe e sim, com o lugar que esta mãe ocupa no sistema produtivo, porque faz toda diferença ter uma mãe rica ou ter uma mãe pobre.”

Estranhamente, a educação no Brasil faz tudo para que as crianças da classe operária continuem como dominadas e as crianças ricas continuem na classe dominante. Portanto, a educação não começa na escola, mas no ventre materno. Tudo que a criança recebe nos primeiros anos de vida ela irá incorporar para sempre em sua mente. É o chamado “efeito 0 a 5” e ela não irá questionar, ela irá achar natural tudo o que acontece em sua volta, num processo absoluto de incorporação e transferência.

No caso da mãe desnutrida a criança irá retirar dela tudo o que precisa durante a sua gestação, mas nem sempre irá alcançar um desenvolvimento satisfatório. Elas nascem mais fracas e mais magrinhas do que as crianças de outras classes sociais. Desde que nascem, as mães continuam trabalhando e não cuidam delas como deveriam. Uma mãe operária pode deixar uma criança faminta chorar até mais de uma hora seguida sem poder dar-lhe atenção, o que nos leva a ter a ideia da diferença do choro de uma criança “normal” e de uma criança cuja mãe não lhe oferece o adequado cuidado.

A criança que chora e tem que parar de chorar porque não foi atendida, geralmente, é mais quieta do que as demais. Elas aprendem a se aquietarem e passam a achar “normal” a necessidade e o sofrimento e isto faz toda diferença em termos do trabalho,  da produção, e, lógico, da construção psicológica de sua vida futura. Elas vão se tornando “naturalmente oprimidas” e ficam passivas diante do infortúnio e da infelicidade. Intuem que a “minha fome não é para ser satisfeita e esta é a ordem natural das coisas”. Fica então impresso na cabeça da criança: “minha fome, meus desejos e minhas necessidades não serão satisfeitos e esta é a ordem natural das coisas.” O fato da mãe não cuidar bem da criança para trabalhar cria nela a passividade, a resignação. “Tudo é destino ou vontade de Deus.” A religiosidade popular dita que ela tem que carregar a própria cruz sem se queixar. A felicidade só será encontrada no céu se a cruz for bem carregada. “Já o patrão não carregará cruz nenhuma e irá para o inferno: O reino dos céus é para os pobres, principalmente, aos de espírito.”

Entendemos, assim, porque a classe pobre não se revolta contra a vida dura, o que vem mudando nos últimos sessenta anos. A noção de Deus misericordioso impõe a sua vontade e faz com que o patrão pague um salário mínimo que vale quatro vezes menos do que deveria valer, o que é aceito com toda a resignação, “pois trata-se da vontade soberana de Deus”, o que leva também à obediência cega ao patrão – que representa Deus neste processo – sendo esta a raiz do clientelismo.

Para as mulheres, além da vontade de Deus e do patrão, pesa sobre elas ainda, a vontade dos maridos que as leva a acreditar que não têm o direito ao amor ou ao respeito. Assim, surge uma outra classe social, a do machismo clientelista que leva a uma religiosidade passiva que é a mais oprimida das classes sociais. É a opressão sem esperança: homens agradam os patrões, mulheres agradam os maridos e as crianças  ajudam os pais – que são, simbolicamente, os patrões – escamoteando assim a “opressão real” – a do capital sobre o trabalho – ou seja, a do dono do dinheiro contra quem trabalha  e assim, sempre.

Este é o fruto amargo de uma educação que é o instrumento do sistema sócio-político-econômico para manter a pessoa dentro da classe social e não pensar em transformar a sua situação sub-humana. Faz isto mas prega, logicamente, o contrário. Assim, o ambiente em que nasce a criança determina o resto de sua vida, o que reforça diretamente, a perpetuação da sociedade de classes e suas mazelas num eterno ciclo vicioso. Mas a partir do final do Séc. XX estamos vivendo uma enorme revolução da consciência coletiva de dominação devido à ação dos movimentos sociais e por via do aumento da urbanização, a diminuição do analfabetismo e o crescimento dos meios de comunicação de massa, o que atinge, dentre outros, camponeses, indígenas e operários, que, inclusive, perderam seus empregos em virtude do desenvolvimento da tecnologia.

A consciência da exploração leva os oprimidos a se organizarem, passando a eleger para presidentes da república, operários, indígenas e mulheres, o que acontece na aurora do Séc. XXI. No Brasil surgem movimentos como o MST e outros segmentos que tendem à mudança do Estado tornando-o, de competitivo para solidário e inclusivo. Contudo, as classes mais ricas ignoram “esta virada”. E para melhor entender a educação é preciso também entender como os mais ricos “adestram ou educam” seus filhos. Em primeiro lugar, os filhos dos ricos desde que nascem têm todos os seus desejos satisfeitos, especialmente, os de alimentação. Eles são criados por babás que eles, muito cedo já aprendem a dominar. Desde que nasce a criança rica pensa: “minhas vontades e minha fome são para serem satisfeitas” – assim passa, automaticamente, a acreditar que o mundo pertence a ela e que por isso mesmo pode burlar a lei que é feita por seus representantes diretos no mundo dos adultos. O homem e a mulher da classe dominante já aprendem a hipocrisia no seio materno. Fazem as leis mas não as cumprem. Têm  um discurso moralista mas cometem o aborto e o adultério. É o famoso “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Alegam a honestidade, mas sem escrúpulos, vivem da corrupção, do roubo formal e estruturado que enriquece os ricos e empobrece os pobres “e tudo fica como natural e aceito”. Desde que nascem os filhos da classe dominante aprendem a manipular a sociedade e tiram dela todos os proveitos, o que passam para as suas gerações futuras.

No geral, na classe dominante, os pais só se fazem presentes a partir da adolescência, que é quando os filhos começam a escolher as suas próprias profissões. Pois durante suas infâncias  as suas crianças, são entregues às babás, pois as mães estão ocupadas com massagens, cabeleireiros, etc. para se manterem em forma para as exigências do “mercado sexual” as exigências formais da sociedade. Elas têm um ou dois filhos, enquanto as mulheres dominadas têm muitos, pela vontade de Deus e cumprindo os ensinamentos da igreja. O sistema é mantido da forma como a cultura dominante é passada para as crianças, Pela educação formal e pela educação informal, pelas classes dominadas ou dominantes, ou ainda, pela família ou pela escola. E pior, esta estrutura toda é aceita como natural.

E ainda, nela toda a mulher é tida como um “ser inferior” e a chamada superioridade do homem que existe há mais de 10 mil anos, o patriarcado que sustenta a competitividade especialmente, corrupta e fraudulenta. E a primeira exploração que a criança vê é a do pai contra a mãe, ou seja, do homem contra a mulher: a dominação de gênero onde impera a lei do mais forte de onde surge a violência do Estado tida e aceita também como natural. Por isso, ao educar a criança, deve-se retratar a violência produtivo-econômica da sociedade em que vivemos. A função do professor não é só a de transmitir conhecimento, repassando a cultura inteira. Mas levar a entender que a “estrutura natural” com ricos e pobres mudou a face do mundo mas as pessoas não tomaram uma consciência clara sobre a concentração da riqueza e o infinito engrandecimento da pobreza, justamente, porque se acostumaram com a sua “naturalidade” cotidiana.

Com isto, as dominações, inclusive a do homem contra a mulher continua viva até hoje, o que começa a ser combatido com a cultura de gênero. Levando, principalmente, as mulheres a tomarem consciência da opressão causada pelo patriarcado sobre ricos e pobres e sobre homens e mulheres. Surge então, a luta de classes, pela qual as pessoas procuram acabar com a exploração e a dominação de uns sobre os outros. Mas para combater esta relação de opressão é preciso primeiro acabar com os estereótipos, formas e visões impostas. E de todos os estereótipos que temos o maior e o mais forte é, justamente, o estereótipo de gênero. É dele que nascem todos os outros. Quando alguém diz: “menino não brinca de boneca” ou “homem não chora ou não leva desaforo para casa.” “Menina não senta desta ou daquela forma” está criando um fosso entre homens e mulheres que irá refletir negativamente, mais tarde no seio da sociedade. Levando, inclusive, a mulher a trabalhar muito mais e a ganhar muito menos, dando, portanto, muito mais lucro para a classe dominante. Isto, pelos conceitos e préconceitos que nos são enfiados na cabeça pela nossa cultura, a família, a escola.

Quando se diz que homem não brinca com boneca, está se afastando o homem dos trabalhos de casa. A casa é responsabilidade da mulher e quando se junta a isto que o homem não leva desaforo, aponta a rua como domínio do homem e a competição, o jogo bruto acabam aceitos como naturais. O vencedor vai querer ser vencedor, ganhador sempre. E o perdedor incute na sua cabeça que é um eterno perdedor, criando assim, o eterno perde/ganha que é o pior defeito de nossa sociedade. Os mais fracos não devem se envolver com os mais fortes, criando, assim, a segregação, a separação entre ricos e pobres e a educação, a cultura, a família, reforçam, naturalmente, estas sérias distorções e os seus resultantes mais perversos.

Assim, o público é domínio do homem, enquanto as mulheres passivas ficam em casa, lavando, cozinhando, servindo aos ímpetos sexuais e recebendo “de favor do homem bonzinho” o alimento e os meios básicos para sobreviver. Além dos estereótipos de gênero, temos ainda aqueles de raça e etnias: negro, preto e feio, o cabelo é ruim, etc. o que também se reflete nos textos bíblicos e em outras formas de culturas de massa.
Na língua portuguesa o masculino se sobrepõe ao feminino e vagabunda é a mulher promíscua, pois isto é o que ela sabe fazer por instinto e pela fragilidade de sua inteligência intuitiva, e, portanto, secundária, Mas, ao contrário, as pesquisas mostram que homens e mulheres têm iguais condições de mente e inteligência suficiente para todas e quaisquer atividades. A questão é que a nossa cultura desestimula as mulheres para as atividades e funções que são mais sofisticadas e melhor remuneradas; são os resquícios do patriarcado. Em vinte anos a luta das mulheres nos Estados Unidos começou a dar grandes resultados com a mudança dos homens que passaram a contribuir muito mais com o trabalho das mulheres na jornada doméstica.

No Brasil ainda hoje, o sistema cultural resiste bravamente à libertação da mulher e ainda chama  aquelas que lutam pelos seus direitos de feministas, de lésbicas, de insatisfeitas, mal-amadas, machonas, etc. E inclusive, por isso, o Brasil ainda não atingiu o desenvolvimento sócio-político-econômico suficiente para chegar perto do chamado “primeiro mundo”, outra anomalia viciante, mas desta vez, em nível internacional. Na verdade, a maioria dos países do primeiro mundo é cruel e desumana. A globalização, ao contrário do que se pensa é um grande mal. A China escraviza as pessoas para vender produtos baratos. O meio ambiente está sendo mega explorado, e, igualmente, os pobres, e, se nada for feito neste sentido nos próximos cinquenta anos, estaremos num seríssimo risco de extinção.

Aí entra novamente, a questão de gênero trazendo as mulheres para a força de trabalho para que elas tragam junto os valores femininos de manutenção e preservação da vida ao contrário dos valores masculinos baseados “na busca do lucro a qualquer preço e no salve-se quem puder”. A mulher hoje é independente e não justifica mais a existência de campos específicos criados pelo patriarcado para homens e mulheres. Hoje, a responsabilidade da criação dos filhos, a manutenção da casa, o cotidiano da família é de responsabilidade conjunta tanto dos pais quanto das mães. Foi-se o tempo em que os meninos se identificavam com os pais e as meninas com as mães, reproduzindo, assim, a desigualdade entre os gêneros. Meninos e meninas precisam de “uma outra mãe, ou seja, de um pai que cuide deles” e a quem possam amar da mesma forma e não mais, competir com ele com todas as forças.

A situação da mulher praticamente, até os dias de hoje, sempre foi de inferioridade econômica e psicológica, daí os filhos e filhas rejeitarem a mãe porque não queriam se aliar a uma pessoa inferior. O patriarcado induz o homem ao medo do afeto, da sensibilidade e do amor porque pensam que se tornam mais femininos, e, portanto, “inferiores”, frágeis e perdedores, o que é uma inverdade absoluta criada pela cultura patriarcal. Mas o homem precisa tornar-se mais humano e menos reprimido, passando esta nova cultura também para os filhos homens, formando uma sociedade muito mais democrática e pluralista.

Nunca existiu democracia no mundo patriarcal porque o homem não se acostumou ao exercício do amor e temos que acabar com esta que é a pior das ditaduras e libertar a mulher para que seja, ao mesmo tempo, uma excelente profissional, uma boa mãe e uma ótima dona de casa. E também precisamos fazer tudo para libertarmos os homens para uma liberdade correlata. O desenvolvimento de um país depende da liberdade de suas duas metades: a masculina e a feminina. Só os dois gêneros juntos podem reverter o processo de destruição da espécie humana que se avança através dos séculos. Menino gostar de brincar de bonecas não significa, necessariamente, que será um “maricas”. Tudo dependerá da aceitação e do diálogo. Assim, ele será, certamente, um pai fraterno,  um esposo amoroso, um profissional sensível e sem preconceitos. E também se tiver uma conduta homossexual amadurecida, terna e fraterna isto não terá o menor problema, pois a diversidade, inclusive, a sexual, está aí para ser vivida em sua plenitude. Homens e mulheres não nasceram para ser hétero ou homossexuais, nasceram para ser plenos e felizes.

É preciso que meninas e meninos brinquem juntos, troquem de funções nas brincadeiras sem sustos e maledicências. É igualmente necessário que meninos e meninas aprendam a cozinhar, lavar, passar e se cuidarem mutuamente. É necessário também que eles se observem, se respeitem e que entendam as funções que irão exercer futuramente, como adultos, profissionais, pais e mães, na construção e na preservação da vida para ambos. Se entreajudem, exteriorizem sentimentos positivos e negativos como dores, mágoas, tristezas, alegrias e felicidades. Sintam as sensações do futuro, se interajam e melhor se conheçam e se respeitem em semelhanças e diferenças. Coisas que a educação de hoje raramente possibilita e para pouquíssimas crianças e adolescentes.

As crianças devem entrevistar pais e mães, especialmente, os do sexo oposto (menina/pai e menino/mãe) e falarem sobre aspectos da vida, ideias, sonhos, frustrações, sexualidade, prazer. Fazer brincadeiras mistas, com homens e mulheres enfrentando situações diversas de um e de outro. Multiplicar e dividir juntos vitórias e derrotas, contrapropor, discutir, confrontar ideias de forma sábia e civilizada. Discutirem “questões polêmicas” como ser pai e ser mãe, aborto, privilégios dos machos, erros e acertos, etc. Dirimir dúvidas e possibilitar a todos encarar de frente as verdades e desnudá-las sem medo. Comentar notícias de jornais, programas de televisão, de rádio, informes da internet, etc. Sempre pontuando questões de gênero e de poder econômico e seus aspectos na vida das pessoas e o diferencial disto na vida de homens e mulheres. Colocar para fora os problemas de gênero, raças, etnias e diferenças sociais, preconceitos, sofrimentos, marginalização.

Assim, as crianças e adolescentes irão aprender a se reunir, entenderão a dinâmica de poder, os grupos e mais tarde, saberão decidir sobre seu bairro, sua cidade, a sociedade, a vida, com o quê estaremos ajudando a construir um mundo melhor, mais justo, plural e muito mais evoluído do que temos hoje. Um passo importante para uma vida mais digna de homens e mulheres, realizando o nosso sonho ainda utópico de transformação para o bem concreto: ou seja, uma sociedade melhor para todos.

Aprenderão a consumir menos e a reverter o quadro avançado de degradação do planeta e de extinção da espécie humana. Só as crianças poderão ter tempo para se dedicarem a esta missão tão nobre urgente e muito mais do que necessária. Mas, para isto é necessário que meninos e meninas percebam de forma clara a importância da diversidade de gêneros, entendam a dimensão do amor e extingam para sempre todo o tipo de exploração, e, especialmente, aquela dos homens contra as mulheres. Saindo da competição para a cooperação plena e infinita. Pela vida e para a felicidade. Se possível, sem limites.

IV – CRÍTICAS, COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES:

Rose Marie Muraro deixa aqui o legado absoluto de sua santificação – não fosse, é claro, inimiga mortal das calhordices capitalistas da igreja católica, expulsa e perseguida, justamente, por sempre ter dito, sem medo, as verdades mais profundas. Ou sejam, as que incomodam. Pergunto respeitosamente se estariam ou não nossos educadores, especialmente, os que dedicam seus trabalhos a meninos e meninas conscientes do que a autora aqui retrata com singular sabedoria? Conhecem nossos educadores – de modo geral – as sutilezas críticas, filosóficas, políticas e sociais de como deveríamos educar diferentemente, os homens e as mulheres a partir de uma perspectiva histórica das condições de gênero numa sociedade como a nossa?
Queiram me desculpar, mas acredito mesmo que não. Nós, professores somos absolutamente carentes de quaisquer saberes neste sentido – até porque eles nos são, estrategicamente, negados – para que assim, a educação formal, aquela feita nas escolas dê o resultado humano político e social que querem os que a direcionam: alienar e facilitar a exploração, se possível absoluta do ser humano – homens ou mulheres – tornando-os aptos e regenerados aos castigos e martírios sociais da sociedade de consumo, quando a única coisa que têm para vender e sobreviver é a sua força de trabalho. Às vezes, o próprio corpo e com ele, a dignidade, a cidadania, diga-se de passagem, em padrões mínimos.

Não tenho o que tocar no texto da queridíssima Rose. Ele é completo. Parece que a autora usou para esboça-lo o esquadro da alma. Ela vai fundo nas questões da sociedade patriarcal, nos jogos manipuladores da exploração capitalista da força de trabalho, especialmente, a da mulher e a forma em que ela, enquanto peça do mercado é adestrada numa escola fria, crua e sem os menores precedentes de antever e evitar este desserviço degradante que presta em termos sócio-econômico-produtivo-sociais na forma como educa os diversos gêneros, simplesmente, como se eles não existissem, o que, toma um relevo muito maior dentro das perspectivas do cotidiano que temos.

Este é um livro que, indubitavelmente, deveria ser lido por todos os educadores, especialmente, os que vivem e trabalham no capitalismo e para ele. Um texto a ser degustado ao máximo nas licenciaturas, na formação de pedagogos, pais, mães e todos os que trabalham na cadeia da preservação do conhecimento e da evolução da vida.  Não é um tratado de reflexões românticas e poéticas destes que levam a muito pouco. É uma faca afiada, um norteador do perigo que exige a mudança da ação e do comportamento daqueles que o leem.  Porque jamais dormirá em berço esplêndido o educador que ler estas palavras e não se tocar para a mudança mais do que necessária.

Impossível a qualquer educador permanecer o mesmo depois desta leitura, deste debate. Nossas escolas, educação, homens e mulheres só poderão crescer, desenvolver e serem muito melhores depois desta leitura que, necessariamente, mudará as formas de pensar, e, principalmente de fazer educação. De ratificar e modificar os princípios filosóficos e práticos de como educar e ensinar meninos e meninas. E, logicamente, formar cidadãos mais inteiros para uma sociedade muito melhor do que a nossa, preservando e encantando esta maravilha que aprendemos a chamar de vida.
Ave Rose!
Ave Marie!

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(*) MsC em Sociologia da Educação e Contemporaneidade – especialista em didática do ensino superior e sociologia do desenvolvimento. É professor universitário, pesquisador, conferencista. Autor de livros e inúmeros artigos sobre educação, sociedade, desenvolvimento, pobreza e ideologias. Atualmente, preside a Ong Silvânia Viva, onde coordena projetos e programas de desenvolvimento humano para a educação, a consciência ecológica e a liderança política.

Vamos levar este debate para sua escola, universidade, empresa, grupo social.
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