16 de
junho de 2012
Marco
Antonio Villa - O Estado de S.Paulo
Luiz Inácio Lula
da Silva tem como princípio não ter princípio, tanto moral, ético ou político. O
importante, para ele, é obter algum tipo de vantagem. Construiu a sua carreira
sindical e política dessa forma. E, pior, deu certo. Claro que isso só foi
possível porque o Brasil não teve - e não tem - uma cultura política
democrática. Somente quem não conhece a carreira do ex-presidente pode ter
ficado surpreso com suas últimas ações. Ele é, ao longo dos últimos 40 anos,
useiro e vezeiro destas formas, vamos dizer, pouco republicanas de fazer
política.
Quando apareceu
para a vida sindical, em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, desprezou todo o passado de lutas
operárias do ABC. Nos discursos e nas entrevistas, reforçou a falácia de que
tudo tinha começado com ele. Antes dele, nada havia. E, se algo existiu, não
teve importância. Ignorou (e humilhou) a memória dos operários que corajosamente
enfrentaram - só para ficar na Primeira República - os patrões e a violência
arbitrária do Estado em 1905, 1906, 1917 e 1919, entre tantas greves, e que
tiveram muitos dos seus líderes deportados do País.
No campo
propriamente da política, a eleição, em 1947, de Armando Mazzo, comunista,
prefeito de Santo André, foi irrelevante. Isso porque teria sido Lula o primeiro
dirigente autêntico dos trabalhadores e o seu partido também seria o que
genuinamente representava os trabalhadores, sem nenhum predecessor. Transformou
a si próprio - com o precioso auxílio de intelectuais que reforçaram a
construção e divulgação das bazófias - em elemento divisor da História do
Brasil. A nossa história passaria a ser datada tendo como ponto inicial sua
posse no sindicato. 1975 seria o ano 1.
Durante décadas
isso foi propagado nas universidades, nos debates políticos, na imprensa, e a
repetição acabou dando graus de verossimilhança às falácias. Tudo nele era
perfeito. Lula via o que nós não víamos, pensava muito à frente do que qualquer
cidadão e tinha a solução para os problemas nacionais - graças não à reflexão,
ao estudo exaustivo e ao exercício de cargos administrativos, mas à sua história
de vida.
Num país marcado
pelo sebastianismo, sempre à espera de um salvador, Lula foi a sua mais perfeita
criação. Um dos seus "apóstolos", Frei Betto, chegou a escrever, em 2002, uma
pequena biografia de Lula. No prólogo, fez uma homenagem à mãe do futuro
presidente. Concluiu dizendo que - vejam a semelhança com a Ave Maria - "o Brasil merece este
fruto de seu ventre: Luiz Inácio Lula da Silva". Era um bendito fruto, era o
Messias! E ele adorou desempenhar durante décadas esse
papel.
Como um
sebastianista, sempre desprezou a política. Se ele era o salvador, para que
política? Seus áulicos - quase todos egressos de pequenos e politicamente
inexpressivos grupos de esquerda -, diversamente dele, eram politizados e
aproveitaram a carona histórica para chegar ao poder, pois quem detinha os votos
populares era Lula. Tiveram de cortejá-lo, adulá-lo, elogiar suas falas
desconexas, suas alianças e escolhas políticas. Os mais altivos, para o padrão
dos seus seguidores, no máximo ruminaram baixinho suas críticas. E a vida foi
seguindo.
Ele cresceu de
importância não pelas suas qualidades. Não, absolutamente não. Mas pela
decadência da política e do debate. Se aplica a ele o que Euclides da Cunha
escreveu sobre Floriano Peixoto: "Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara
em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país sem avançar -
porque era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas
tradições...".
Levou para o seu
governo os mesmos - e eficazes - instrumentos de propaganda usados durante um
quarto de século. Assim como no sindicalismo e na política partidária, também o
seu governo seria o marco inicial de um novo momento da nossa história. E, por
incrível que possa parecer, deu certo. Claro que desta vez contando com a
preciosa ajuda da oposição, que, medrosa, sem ideias e sem disposição de luta,
deixou o campo aberto para o fanfarrão.
Sabedor do seu
poder, desqualificou todo o passado recente, considerado pelo salvador, claro,
como impuro. Pouco ou nada fez de original. Retrabalhou o passado, negando-o
somente no discurso.
Sonhou em
permanecer no poder. Namorou o terceiro mandato. Mas o custo político seria alto
e ele nunca foi de enfrentar uma disputa acirrada. Buscou um caminho mais fácil.
Um terceiro mandato oculto, típica criação macunaímica. Dessa forma teria as
mãos livres e longe, muito longe, da odiosa - para ele - rotina administrativa,
que estaria atribuída a sua disciplinada discípula. É um tipo de presidência
dual, um "milagre" do salvador. Assim, ele poderia dispor de todo o seu tempo
para fazer política do seu jeito, sempre usando a primeira pessoa do singular,
como manda a tradição sebastianista.
Coagir ministros
da Suprema Corte, atacar de forma vil seus adversários, desprezar a legislação
eleitoral, tudo isso, como seria dito num botequim de São Bernardo, é "troco de
pinga".
Ele continua
achando que tudo pode. E vai seguir avançando e pisando na Constituição - que
ele e seus companheiros do PT, é bom lembrar, votaram contra. E o delírio
sebastianista segue crescendo, alimentado pelos salamaleques do grande capital
(de olho sempre nos generosos empréstimos do BNDES), pelos títulos de doutor
honoris causa (?) e, agora, até por um museu a ser construído na cracolândia
paulistana louvando seus feitos.
E Ele (logo
teremos de nos referir a Lula dessa forma) já disse que não admite que a
oposição chegue ao poder em 2014. Falou que não vai deixar. Como se o Brasil
fosse um brinquedo nas suas mãos. Mas não será?
MARCO ANTONIO
VILLA, HISTORIADOR, É PROFESSOR DA , UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
(UFSCAR)
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