sábado, 8 de fevereiro de 2014

Poesia de Zé da Luz - As Flô de Puxinanã


 Zé da Luz - As Flô de Puxinanã 


(Paródia de As "Flô de Gerematáia" de Napoleão Menezes)




Três muié ou três irmã,
três cachôrra da mulesta,
eu vi num dia de festa,
no lugar Puxinanã.



A mais véia, a mais ribusta
era mermo uma tentação!
mimosa flô do sertão
que o povo chamava Ogusta.



A segunda, a Guléimina,
tinha uns ói qui ô! mardição!
Matava quarqué critão
os oiá déssa minina.



Os ói dela paricia
duas istrêla tremendo,
se apagando e se acendendo
em noite de ventania.



A tercêra, era Maroca.
Cum um cóipo muito má feito.
Mas porém, tinha nos peito
dois cuscús de mandioca.



Dois cuscús, qui, prú capricho,
quando ela passou pru eu,
minhas venta se acendeu
cum o chêro vindo dos bicho.



Eu inté, me atrapaiava,
sem sabê das três irmã
qui ei vi im Puxinanã,
qual era a qui mi agradava.



Inscuiendo a minha cruz
prá sair desse imbaraço,
desejei, morrê nos braços,
da dona dos dois cuscús!

sábado, 1 de fevereiro de 2014

"ANDO TÃO A FLOR DA PELE QUE QUALQUER BEIJO DE NOVELA ME FAZ CHORAR"



O queridíssimo Waly Salomão colocou numa das mais lindas páginas do nosso cancioneiro, a música Vapor Barato, a frase: "Ando tão a flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar." Uma composição poética, filosófica, mais do que profunda. Uma lição. Mas não quero falar aqui de qualquer beijo de novela. Falo do primeiro beijo gay - entre homens, em horário nobre, na famigerada Rede Globo de Televisão, o que, definitivamente, não é pouca coisa. Mas já não era sem tempo, aliás, tinha era passado muito da hora. Não dá mais para querer ser moderno, contextualizado e bem colocado no mundo, mantendo tais preconceitos e escondendo o "inescondível", uma tendência natural dentro da evolução humana. 

Pelo que conheço da TV Globo, seus diretores - convencionais devem ter esperneado de todas as maneiras para evitar isso. Mas a diversidade, os direitos humanos, os avanços políticos clamam por coisas semelhantes, ganharam a queda de braços e a Globo pagaria um pesadíssimo fardo se não adotasse esta linha de conduta frente aos tempos que por ora o mundo experimenta em todas as dimensões do conhecimento humano, em especial, na arte, na cultura e na comunicação.
O beijo na boca - é a maior das demonstrações de amor, carinho e afeto - trocado pelos personagens de Amor à Vida, Félix (Matheus Solano) e Niko (Thiago Fragoso - que por sinal, não beijou na boca, mas o fez, tecnicamente, acima do lábio, no bigode, certamente, por imposição do diretor, orientado pela malfadada ideologia "global) não significa só um mero e efêmero desejo, um prazer, uma preliminar, uma atração sensual entre dois homens. Ele é muito mais que isto, é a prova do avanço da consciência, do reconhecimento dos direitos humanos, da solidificação da cidadania. Claro que nada é pleno, pois a evolução não dá saltos. Mas, por mais que possa não parecer esta cena doce, densa, maravilhosa - embora excessivamente técnica pro meu gosto artístico - significa, sim, um enorme avanço em termos políticos e sociais. Embora seja difícil para a maioria das pessoas contaminada pelo liberalismo pequeno burguês, o cristianismo caduco e outros bichos. Polêmicas à parte, todos ganham com isto. É um ataque à homofobia, ao preconceito, em síntese, uma conquista absolutamente palpável para o mundo de hoje, os valores que surgem, as garantias de espaço e dignidade para todos, como muito bem retratou o autor Walcyr Carrasco, o grande pai de toda esta situação, a quem parabenizo.
O beijo gay - em especial entre homens, na Globo e numa sociedade machista como a nossa em horário nobre - não é só um avanço social e político, uma forma de quebrar paradigmas antigos e em desuso e para que as pessoas entendam que ser gay é apenas uma contingência comum. Mais um traço de personalidade, uma característica da pessoa, assim como ser homem, mulher, moreno, branco, ter cabelos lisos ou encaracolados, olhos verdes ou castanhos, coisas das quais, ninguém se envergonha, esconde ou sofre por ter ou ser.
Espero que nos carnavais, nas festas, nos encontros sociais as pessoas possam demonstrar seu amor, seus sentimentos sem medo, vergonha, mágoa, mas com alegria, prazer e sendo feliz por ser o que é e por ter com quem compartilhar esta que é uma fatia tão doce da vida: a capacidade de amar. 
Fomos todos adestrados por uma visão de considerar o diferente como se fosse anormal. E não é. O diferente é apenas diferente e é isto que dá graça à vida, diversidade, cor, beleza, magia, encanto. As formas diferentes de prazer dão origens a garantias de outros desejos, direitos, vantagens e isto não é bom para o poder estabelecido, os patrões, os chefes, "os donos dos destinos do mundo." Então, o melhor mesmo é evitar, cortar o mal pela raiz. O que comprova o quão atrasados ainda somos. Mantendo o estereótipo da ordem que beneficia quem manda, quem tem, quem dirige os iguais e os mais iguais que os iguais e continuarmos com medo, reclamando e desejando mudanças. O que é, no mínimo, um equívoco imperdoável frente aos recursos que hoje temos ao alcance das mãos. 
Ajudamos a manter, sem que saibamos, o fenômeno de que capital sempre ganha, o macho comanda, o trabalhador paga a conta. O diferente é descriminado, as mulheres colocadas em segundo plano e os gays, finalmente, são uma espécie a ser extinta para a garantia da dignidade humana. Ainda acreditam os mais perversos, que, ser gay por exemplo é deixar e aberto o caminho para a rebeldia, a imoralidade, o vulgar. Quando, na verdade, tudo o que quererem é deixar concentrados o poder e a riqueza. Manter a exploração de poucos sobre muitos, o exercício do poder fatídico para alguns, as benesses para poucos. O que, por si gera a fome, a miséria, os demais conflitos, o sofrimento, o caos.
Enfim, a cena deste beijo gay especificamente, abre outros caminhos, brechas, perspectivas. Mas que precisam ser vistos e conquistados para a alegria de todos, a felicidade plena, a democracia, a cidadania em seu sentido real. É preciso que aprendamos a enxergar esta conexão, abandonando a forma estreita, parcial de ver as coisas pela ótica da ideologia dos comandos estabelecidos. Já passamos muito do tempo de darmos este salto evolutivo rumo à liberdade, afinal, a idade média está definitivamente enterrada. O que, certamente, se reverterá para todos os aspectos da vida: a política, o emprego, os direitos de viver e de gozar as suas delícias, incluindo beijar na boca de quem quiser. Isto é bom, gostoso e lindo... ..."Ando tão a flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar..." Porque, exatamente estamos todos calejados pela dor, sensíveis demais de tanto sofrer e ver sofrer: preconceitos, violências, desrespeitos descabidos. Temos a pele tênue como consequência de infinitos e históricos sofrimentos. Já merecemos todos ser tratados como gente. E gente é pra brilhar, viver, esbanjar seus amores. Ter motivos para se encantar, agradecer. Multiplicar sorrisos. 
Estaremos todos, depois deste beijo especial tão a flor da pele, mas não mais pra chorar. Pra sorrir, esbanjar a liberdade, o direito de ser o que se é e pronto. A flor da pele para viver nossos desejos, concretizar sonhos e cumprir o destino de ser feliz; questionar a opressão, o abuso, o descrédito que, enquanto cidadãos comuns, fomos todos expostos por milênios de história. Fomos feitos e colocados aqui, neste planetinha, mais cor de rosa do que nunca para a felicidade, independente de condição, cor, gênero, escolhas. Estamos sim, com isto, construindo um mundo com variados tons, agradando, os olhos de todos, aos matizes diversos, com direito de viver ampla e indistintamente. O beijo de homens na TV foi só o primeiro e indispensável passo. Outros voos virão. Plenos de belezas e pelos horizontes sem fim.